Nem o arranque tardio disfarça os problemas (2015)

21 de setembro de 2015

Na esmagadora maioria das escolas portuguesas, as aulas iniciam-se hoje, dia 21 de setembro. Um início que, assinale-se, é o mais tardio dos 15 anos que já leva este século XXI. Este ano, os responsáveis do MEC não irão pedir desculpa, mas irão sair, o que é mais importante.

Teria sido possível, mesmo com o calendário fixado para este ano pelo MEC, as escolas abrirem no mesmo dia do ano passado: 15 de setembro. Mas isso não aconteceu, por duas razões principais:

  • por um lado, este ano, tal como o ano passado, em 15 de setembro o MEC ainda não tinha criado as condições necessárias para que as escolas pudessem iniciar a atividade;
  • por outro, porque existe uma legítima falta de confiança por parte das escolas em relação aos responsáveis do MEC e, portanto, não arriscaram abrir antes da data limite estabelecida.

É evidente que a realização de eleições em breve, estando já a decorrer a campanha eleitoral, obrigou o governo e a sua maioria a tomarem medidas excecionais, e esta foi uma delas: aproximar o mais possível a abertura das aulas da data das eleições e, dessa forma, encurtar o tempo e, assim, a possibilidade de os problemas ganharem grande visibilidade, pois estes tornam-se muito mais visíveis depois de as escolas já terem iniciado as atividades com os seus alunos.

Com as portas das escolas abertas e os alunos lá dentro, esperam agora os governantes que os problemas, que também lá estão, não se notem cá fora: turmas com muitos alunos, algumas ultrapassando os limites legalmente estabelecidos; alunos sem apoios, seja de docentes ou de outros técnicos e sem alguns professores; falta de funcionários,quer porque a lei é desajustada, quer porque os concursos para a contratação de assistentes operacionais só agora estão a decorrer; dificuldades que resultam da organização em mega-agrupamento; falta de horas para projetos educativos que seriam fundamentais para a promoção do sucesso escolar e para o combate ao abandono; condições e horários de trabalho dos professores completamente desajustados em relação à natureza pedagógica da atividade que desenvolvem, entre muitos outros.

 

Educação Especial e apoio a alunos com necessidades educativas especiais

A FENPROF realizou um levantamento, recolhendo dados de diversas escolas e agrupamentos do país, tendo tido a preocupação de efetuar essa recolha em todas as regiões do continente e está em condições de afirmar que, este ano, o problema mais grave identificado nesta abertura de ano letivo tem a ver com as dificuldades crescentes de resposta a nível da Educação Especial e apoio a alunos com necessidades educativas especiais: faltam docentes, faltam técnicos diversos, são, por norma, desrespeitados os limites estabelecidos para a constituição de turmas em que estão matriculados alunos com necessidades educativas especiais (NEE). A situação é de tal ordem preocupante, pondo em causa a própria capacidade da escola em promover uma educação inclusiva, que a FENPROF decidiu aprofundar este levantamento. Na próxima semana, serão divulgados os resultados que, infelizmente, deverão confirmar um problema que se considera gravíssimo. Para se perceber a sua dimensão, há um agrupamento em Barcelos com vinte e quatro turmas que, apesar de integrarem alunos com NEE, têm mais de vinte alunos; em Aveiro há um com 18 turmas nestas condições e outro com dezasseis; em Coimbra e em Viseu com treze. Relativamente ao limite de dois alunos com NEE nas turmas, o desrespeito pela regra legal que vigora também se transformou em norma.

 

Falta de assistentes operacionais

Outro problema com que as escolas se confrontam neste arranque de ano é o da falta de assistentes operacionais. Por um lado, como se sabe, o ratio estabelecido em lei e os critérios para a colocação são manifestamente insuficientes; por outro, apesar de o governo ter permitido a contratação de assistentes operacionais, os concursos só foram lançados na semana passada e o processo de recrutamento ainda decorre. Continuam também as escolas a ter de recorrer aos contratos de emprego e inserção (CEI) para satisfazerem as suas necessidades e garantirem o normal funcionamento.

O agrupamento de Escolas de Mirandela, por exemplo, necessitaria de mais quinze assistentes operacionais, o de Carregal do Sal necessitaria de dez, o mesmo número que em Gondomar, no Agrupamento de Santa Bárbara. Faltam oito em Torre de Moncorvo e sete em Barcelos (Agrupamento Alcaides de Faria). Sendo estes os casos em que o número é mais elevado, a falta de três, quatro ou cinco assistentes operacionais é problema comum a muitas escolas, em alguns casos sendo trabalhadores para setores específicos que poderão não funcionar (pavilhão gimnodesportivo, biblioteca, jardins de infância ou escolas do 1.º Ciclo que não têm qualquer funcionário e ainda para vigilância, o que significa que há aspetos de segurança que poderão estar postos em causa).

Há ainda casos em que os assistentes operacionais em falta são para executar tarefas extremamente exigentes, como acontece em Pombal, onde faltam dois assistentes operacionais para apoio à unidade de multideficiência, ou, em Penedono, para acompanhamento de crianças com necessidades educativas especiais.

 

Colocação de professores

Problema que, o ano passado, atingiu a dimensão de tragédia, foi o da colocação de professores. Devido a um incompreensível e inaceitável erro técnico, o MEC instalou a confusão na colocação de professores, tendo havido escolas com turmas que só praticamente no final do primeiro período conseguiram ter colocados todos os seus professores. Mas o problema não foi apenas o erro, sendo que este o agravou. O problema principal é que o MEC, ao longo da atual Legislatura, tem vindo a atrasar a colocação dos docentes das listas nacionais de colocação e, ao mesmo tempo, a insistir teimosamente na colocação, em mais de trezentas escolas, através das chamadas bolsas de contratação de escola (BCE) que, está provado, atrasam em cerca de três semanas a contratação dos docentes. A prova de que as colocações, mais uma vez, se atrasaram, foi que no dia 16, com apresentação nas escolas até 18, ainda foram colocados 2.404 professores, os quais, por só agora serem colocados, estão hoje a iniciar a sua atividade com os alunos, sem terem podido participar em todo o trabalho de preparação do ano letivo, que é importantíssimo.

Para se perceber a preocupação das escolas com este atraso, no passado dia 17, quinta-feira, ainda faltavam: em Montalegre (Agrupamento Bento da Cruz), 3 professores afetando 14 turmas; em Vieira do Minho, no Agrupamento Vieira de Araújo, os 5 docentes que faltavam tinham implicação em 18 turmas; no Agrupamento Afonso III, em Faro, faltavam 5 afetando 15 turma; em Monchique, outros 5 afetando, também, 15 turmas; em Góis, no distrito de Coimbra, os 7 docentes em falta afetavam 40 turmas. A falta de professores, no passado dia 17, há apenas dois dias úteis, fazia-se sentir em praticamente todo o país: de Mirandela, onde a falta de 5 professores se repercutia em 19 turmas, a Vila Real de Santo António, em cujo Agrupamento havia 57 turmas afetadas pela falta de 17 professores. Sendo estes os extremos do território continental, a FENPROF tem dados que confirmam que o atraso na colocação de professores voltou a verificar-se este ano, só disfarçado pelo facto de o ano letivo, na prática, só hoje se iniciar. Iremos ver agora, porque com o início das aulas essas faltas são mais notadas, quantos alunos chegarão ao final de setembro ainda sem os professores todos

 

Há mais 413 professores no desemprego que em 2014/15

Relativamente à colocação de professores, há ainda a referir que, este ano, comparando as colocações feitas com as do ano anterior, no mesmo momento, há menos 413 docentes contratados, o que significa que há mais 413 professores no desemprego, que se juntam ao imenso contingente de desempregados, que atinge cerca de 20.000 docentes, havendo mais 11.000 professores e educadores que simplesmente deixaram de se candidatar, provavelmente, desistindo da profissão.

Em 2014/15, no conjunto “Contratação inicial e renovações (primeiro momento de contratação) + RR 2 (segundo momento) + RR3, BCE e CE (terceiromomento)” foram colocados 8.468 docentes. Neste ano, a RR1 não colocou docentes para contratação.

Em 2015/16, no conjunto “Contratação inicial e renovações (primeiro momento de contratação) + RR 1,BCE e CE (segundo momento) + RR 2, BCE e CE (terceiro momento)” foram colocados 8.055 docentes.

 

Mais 6% de docentes com horário-zero

Relativamente aos docentes que ainda se mantêm com horário-zero, comparando também os momentos do ano 2014/15 com o que agora se inicia, há um aumento de cerca de 6%, passando-se de 373 na RR2 para os atuais 395 após a RR2 deste ano escolar. Falta saber se as orientações do MEC, este ano, após o dia 4 de outubro, serão tão generosas como foram o ano passado. A FENPROF insiste que, para desaparecerem os horários-zero das escolas, bastaria aplicar a estes docentes, com menos de 6 horas letivas na sua escola, as normas aplicáveis a quem, tendo mais de 6 horas, completa o seu horário com outras atividades. A atual equipa do MEC até chegou a acordo com as organizações sindicais nesse sentido, mas nunca respeitou o que acordou.

 

Outros problemas sinalizados pelas escolas e pelos professores

Outros problemas foram sinalizados pela FENPROF e os seus Sindicatos nesta abertura de ano letivo, como, ainda, o encerramento de escolas e jardins de infância (só em Braga, o MEC encerrou doze jardins de infância e onze escolas do 1. Ciclo), a implementação do Inglês no 1.º Ciclo, onde parece haver uma certa desorientação em aspetos como o departamento a que pertencem estes docentes, como deslocar e/ou pagar as deslocações aos docentes entre escolas do agrupamento e mesmo o horário em que o Inglês deverá ser lecionado.

Mas o 1.º Ciclo do Ensino Básico, na sua globalidade, constitui um problema gravíssimo, com o MEC a demitir-se das suas responsabilidades ao nível da organização do setor e as situações a revelarem-se absolutamente desiguais, indo desde o regime de monodocência pura e dura à pluridocência assumida. Também quando se trata de coadjuvação, a aplicação deste modelo, em muitos agrupamentos, faz-se com o professor coadjuvante a trabalhar sem a presença do titular de turma que, naquele tempo, foi “desviado” para outras atividades. O que é certo é que a maior parte das situações “originais” que se vivem um pouco por todo o país tiveram, quase sempre, a mesma consequência: o agravamento do horário de trabalho dos professores.

Horário de trabalho e condições de trabalho, em geral, são problemas que não se confinam a um ou outro setor, mas atingem os docentes de todos os setores de ensino e educação. Os horários de trabalho são já hoje um dos principais fatores de enorme desgaste dos docentes, com a falta de horas necessárias às escolas para todas as atividades a que estão obrigadas, a pressão que sobre elas exercem as delegações regionais da DGEstE (ex-DRE) e a forma como são desenvolvidas muitas ações inspetivas nas escolas e agrupamentos, fazem com que seja “normal” haver atividades letivas na componente de estabelecimento dos docentes e que esta seja desrespeitada na sua duração, nomeadamente quando o professor entra em formação, já para não falar das intermináveis e, muitas delas, inconsequentes reuniões a que o professor está obrigado.

 

Dentro de nove dias úteis há eleições, delas se esperando que resultem condições para uma alteração profunda nas políticas para a Educação e o país

Nesta abertura do ano letivo, não se poderia ignorar que, dentro de nove dias úteis, contados a partir de amanhã, há eleições. Delas, espera a FENPROF que resultem duas consequências: a derrota da atual maioria, cuja ação governativa tem vindo a afetar muito negativamente a Educação e a Escola Pública em particular, com cortes brutais, superiores a três mil milhões de euros nestes quatro anos. Delas resultaram maiores dificuldades para a organização e funcionamento das escolas, muito desemprego e instabilidade para os profissionais e algumas quebras de qualidade do ensino, designadamente decorrentes do empobrecimento imposto aos currículos escolares. Algumas das medidas concretizadas, recorde-se, não foram sequer novas, tendo o governo que cessa funções optado pelo aprofundamento de medidas que herdou de governações anteriores.

Mas não bastará castigar com a derrota a atual maioria, é necessário também derrotar políticas que, a concretizarem-se, agravarão ainda mais os problemas. Políticas em que cabem, por exemplo, o processo de municipalização da Educação, já em curso em quinze municípios e que deverá ser suspenso, a entrega a operadores privados, através de contratos, de respostas que as escolas públicas estão em condições de dar ou a extinção, por asfixia financeira, do ensino artístico no nosso país. E é este sentido de mudança e por estes objetivos que a FENPROF se associa a todos quantos apelam a uma grande participação dos portugueses, também dos professores, como é evidente, no ato eleitoral.

A concluir, há uma certeza que fica: este ano, não iremos assistir a qualquer sessão parlamentar em que o ministro Nuno Crato pedirá desculpa aos pais, aos professores e ao país. Não pela falta de motivos para o fazer, mas porque a Assembleia da República já não reunirá até às eleições. Mas há um facto que, queira ou não, se verificará: irá partir. Tal saída poderá não ser condição suficiente para uma grande mudança na Educação, mas é, sem dúvida, condição necessária. A quem lhe suceder, a FENPROF apresentará, logo que tome posse, um documento com doze medidas que considera urgentes e deverão ser tomadas de imediato. A sua concretização será um bom ponto de partida para o futuro.

Porto, 21 de setembro de 2015
O Secretariado Nacional

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