A Fenprof e o programa do governo

26 de junho de 2025
Francisco Gonçalves — Programa do governo reduz papel do Estado
José Feliciano Costa — Programa do Governo adia para o final da Legislatura revisão do ECD

16 de junho de 2025

Programa do governo — Apreciação da Fenprof

O Programa do Governo, em termos gerais, é um programa centrado na chamada agenda reformadora do Estado, com uma clara orientação política para a redução do papel do Estado às funções de soberania. Esta visão compromete a resposta às funções sociais do Estado, entre as quais se encontra a Educação, não deixando antever um futuro favorável para a generalidade da população. Assim, assistir-se-á, por certo, à redução do papel do Estado, o que hipoteca o desenvolvimento da Educação e Ciência.

 

Capítulo da Educação, Ciência e Inovação

No enquadramento deste capítulo, além de intenções vagas de melhorias para o setor, é feito um balanço autoelogioso do mandato anterior, assinalando profundas mudanças e soluções reformistas efetuadas, cujas anunciadas virtudes não se vislumbram. Omite, no entanto, medidas que foram fracassos na educação, como, por exemplo, o designado plano «+Aulas +Sucesso», criado para combater a falta de professores, problema que, como os números demonstram, ter-se-á agravado.

Ainda nesta introdução, é exibida uma valorização remuneratória da carreira docente, o que não passa de uma trapaça ardilosa para puxar a si o mérito de uma melhoria no vencimento que apenas aconteceu por força da recuperação do tempo de serviço congelado e em resultado de uma intensa, persistente e muito forte luta dos docentes antes das Legislativas/2024. Medida que, mesmo assim, deixou de fora mais de 23 000 educadores e professores, que, por essa razão, saíram ou sairão para a aposentação com pensões muito desvalorizadas. Neste exercício laudatório, surge ainda o apoio à deslocação, que continua a aplicar-se apenas a um número reduzido de professores e que, por via disso, cria desigualdades, deixando por cumprir o objetivo que deveria ter. 

Avaliação no final de ciclo e o PISA

O programa retoma a proposta das avaliações no final de ciclo, nomeadamente no ensino básico, não com o objetivo de acompanhar o progresso dos alunos, fornecendo dados às escolas que permitam otimizar as práticas pedagógicas, mas como mecanismo para criar rankings de escolas, baseados em sistemas de avaliação centralizados, tecnocráticos e pedagogicamente redutores.

Nas metas, no destaque dado aos objetivos a atingir pelos alunos, o relevo é dado ao PISA – programa da OCDE utilizado para avaliação de estudantes, que tem sido cada vez mais criticado, devido aos seus efeitos negativos na Educação. Aliás, é apontado a este programa o objetivo claro da promoção de uma visão neoliberal da educação, com a focalização excessiva em testes padronizados que geram uma prejudicial competição entre escolas e sistemas educativos.

O ministério regulador e a municipalização

É, também, dado destaque ao aprofundamento do processo da descentralização de competências na educação — recorde-se que 2/3 dos municípios não aderiram voluntariamente —, o que comporta riscos elevados de redução da margem da escassa autonomia das escolas e potencia a ingerência das autarquias em áreas fora da sua competência. Isto, para além de desigualdades territoriais que em pouco tempo irão pôr em causa o caráter universal do direito à Educação. Além de demitir o Estado central de indeclináveis responsabilidades na Educação, abrirá caminho à privatização de serviços dentro das escolas e aprofundará disparidades entre escolas de municípios com diferentes capacidades financeiras.

A chamada descentralização, é um dos elementos para a assunção de uma lógica mercantilista, que visa equiparar as escolas públicas às privadas no acesso ao financiamento, promovendo a privatização dos lucros e a socialização dos custos — como tem sido observado noutros países onde esta lógica tem sido aplicada.

A universalização do acesso à educação pré-escolar a partir dos 3 anos de idade — medida já anunciada no mandato anterior —, será garantida através de contratos de associação com o setor privado e social e não através da expansão da rede pública. Esta opção revela um afastamento ideológico dos preceitos constitucionais, designadamente no que diz respeito aos artigos 73.º e 74.º.

Com este programa do governo, volta a estar em destaque a redefinição do papel do ministério da Educação, assumido como mero regulador do funcionamento das escolas, transferindo para as CCDR, estruturas sem escrutínio democrático, competências como a definição da rede escolar, das ofertas formativas no ensino profissional e os investimentos em infraestruturas.

Valorização da profissão docente e estatuto do diretor

O programa do governo adia para o final da legislatura (2029) a revisão do Estatuto da Carreira Docente — adiamento que perpetua o problema da falta de professores e reflete uma ausência de respostas estruturadas, encarando a atual situação como uma inevitabilidade, auto ilibando-se de responsabilidades políticas.

Mantém-se a intenção de criar um Estatuto do Diretor, com uma carreira específica e remuneração indexada ao topo da carreira docente, o que constituiria um primeiro passo para a formação de um corpo profissional de gestores, reforçando o autoritarismo e controlo hierárquico deste órgão, numa gestão cada vez mais afastada dos reais interesses de uma Escola Pública de qualidade, democrática e inclusiva.

É, também, manifestada a intenção de alterar o regime de colocação de docentes, os concursos, abrindo espaço a modelos de contratação e vinculação de docentes com regras que não garantem a equidade, a objetividade e a transparência asseguradas pelas listas nacionais ordenadas em função da graduação profissional.

Ensino superior e ciência

Relativamente ao ensino superior e à ciência, o programa do governo também não apresenta respostas estruturadas para os principais problemas. Destaca-se, à cabeça, a ausência de medidas para combater o subfinanciamento de longa data do sistema, que compromete o normal funcionamento das instituições, a renovação dos quadros e a modernização das infraestruturas. A criação de um estatuto único de carreira docente é referida, mas carece de discussão séria com os professores e investigadores, de forma a garantir a valorização e a progressão efetiva nas carreiras. A anunciada revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), por sua vez, não rompe com a lógica mercantilista nem com o regime fundacional, dificultando a vocação de missão pública das instituições e a vivência democrática na sua gestão. Quanto à política científica, impõe-se o reforço do financiamento, com estabilidade e previsibilidade, sendo indispensável que a anunciada revisão da missão da FCT decorra de um processo participado por toda a comunidade científica.

Direito à greve

Este programa representa um sério retrocesso para a Educação, a Ciência, a Escola Pública e a profissão docente. Procura desresponsabilizar o Estado do papel crucial que tem na garantia do direito do acesso universal a uma Educação e Ciência públicas de qualidade que promovam a igualdade de oportunidades e de sucesso e a formação integral de cidadãos para uma vivência e uma sociedade democráticas.

É, ainda, um programa que visa a imposição de um grave retrocesso à democracia portuguesa, com a proposta de condicionamento do direito à greve, alargando o conceito de necessidades sociais impreteríveis, pondo em causa um direito fundamental dos trabalhadores e do regime democrático, consagrado na Constituição da República Portuguesa.

Os educadores, os professores e os investigadores saberão responder à concretização das medidas gravosas deste programa, com a sua ação e luta, rejeitando a transformação da Educação e do ensino em negócio, fonte de lucro para interesses privados, e exigindo soluções urgentes para os problemas estruturais do setor e da profissão


06 de junho de 2025

Apesar de não terem merecido grande atenção no período da campanha eleitoral, os problemas estruturais da Educação, da Escola Pública e da profissão docente permanecem sem resposta e, em alguns casos, agravam-se. O novo governo, com a mesma política, continuará a agravar problema da falta de professores que é o mais grave de todos os problemas. Porque só há uma solução, tornar a profissão atrativa, a Fenprof vai exigir a revisão urgente do Estatuto da Carreira Docente!

A Fenprof, mandatada pelo 15.º Congresso Nacional dos Professores, irá solicitar, esta semana, ao ministro da Educação, Fernando Alexandre, a abertura imediata do processo negocial para a revisão urgente do Estatuto da Carreira Docente (ECD). A continuidade de Fernando Alexandre à frente do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) garante-lhe um conhecimento aprofundado da casa e dos desafios que persistem, nomeadamente a falta de professores que tem vindo a agravar-se e compromete seriamente o funcionamento das escolas e o direito de milhares de alunos ao sucesso educativo.

Segundo dados apurados pela Federação, com base no número de horários semanais em contratação de escola, o número de alunos sem todos os professores aumentou, quando feita a comparação com o ano letivo anterior. Mesmo com o recurso a horas extraordinárias e à contratação de pessoas sem habilitação (prevista no plano «+Aulas +Sucesso»), a situação deteriorou-se: o número de alunos sem todos os professores foi superior no primeiro período; no segundo período voltou a aumentar e, nas primeiras três semanas completas do terceiro período deste ano, a tendência repetiu-se.

Face a este cenário, e tendo em conta que as previsões para 2025 apontam para mais de quatro mil aposentações enquanto o número de novos professores poderá não ultrapassar um quarto desse total, tornar a profissão docente atrativa deve constituir uma prioridade absoluta do novo governo. Valorizar a profissão docente é a única forma de inverter esta situação: atrair jovens para a carreira e criar condições para o regresso de milhares que a abandonaram é urgente e só será possível com medidas concretas. Por isso, a revisão do ECD é uma prioridade absoluta e deverá assegurar:

  • A correção dos problemas que ainda afetam a atual carreira, designadamente: a contagem integral do tempo de serviço (para além do que foi perdido nos períodos de congelamento), a eliminação das ultrapassagens e a compensação dos docentes que não puderam recuperar o tempo de serviço congelado.
  • Uma estrutura de carreira sem obstáculos na progressão e de menor duração.
  • A valorização material da carreira docente.
  • O reconhecimento do desgaste provocado pelo exercício da profissão e a consagração de um regime justo de aposentação.
  • Um modelo de avaliação de desempenho formativo, e não punitivo.
  • O cumprimento dos limites legais do horário de trabalho.

Na primeira reunião com a nova equipa ministerial, a Fenprof apresentará as suas propostas para uma negociação séria e efetiva, reafirmando a sua total disponibilidade para esse processo e o seu compromisso com a resolução dos problemas reais dos docentes, da Escola Pública, da ciência e do ensino superior. Neste encontro, serão colocadas questões urgentes do ensino Suserior, como a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), a revisão das carreiras docente e de investigação e o combate à precariedade, particularmente nas áreas da ciência e investigação. Neste âmbito, destaca-se a necessidade de as instituições começarem a aplicar de imediato a prorrogação dos contratos dos investigadores ao abrigo do DL57/2016, como previsto no novo Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC), e abram os concursos em falta, garantindo também uma resposta concreta para os que viram os seus contratos terminar antes da entrada em vigor do novo ECIC. Exige-se, igualmente, uma solução para os investigadores convidados ao abrigo do DL124/99 (anterior versão do ECIC), que estão, atualmente, numa situação de incerteza jurídica, sem garantias sobre a renovação dos contratos em vigor, nem orientações claras sobre a transição para o novo regime.

A Fenprof também estará atenta a outros aspetos que, tendo já constado do programa do anterior governo, se mantêm no programa eleitoral da AD, em particular a intenção de profissionalizar o cargo de diretor, aprofundar o processo de transferência de competências para os municípios, voltar a apostar em imorais contratos de associação, reduzir o papel do ministério a mero regulador ou rever a Lei de Bases do Sistema Educativo. Todas estas medidas poderão ter um impacto ainda mais negativo do que o anteriormente previsto se a reforma do Estado, para a qual foi criado um ministério, seguir o guião que Passos Coelho e Paulo Portas apresentaram em 2013.