Fenprof exige participar na ´reforma´ do MECI (5/ago)
05 de agosto de 2025
No final da reunião com do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), realizada em 5/ago, sobre o desmantelamento do MECI, o secretário-geral José Feliciano Costa garantiu que a Fenprof exigirá um processo de diálogo alargado e de verdadeira negociação, com respeito pelas instituições, pelos profissionais e pelo serviço público de Educação e Ciência, no que foi secundado pela presidente do Conselho Nacional, Anabela Sotaia.
Para a Fenprof, a reforma do MECI consubstancia um projeto de desmantelamento do ministério responsável pela Educação, numa clara e preocupante opção de desresponsabilização do Estado central pelo serviço público de educação e ciência. A reforma reduz o MECI ao papel de mero organismo regulador, esvaziando-o de funções estruturantes que lhe devem competir.
Por se tratar de uma matéria de tal forma relevante e estruturante, impõe-se um debate público sério, participado e transparente. Reformas desta natureza não podem ser impostas de forma unilateral, muito menos durante o período de férias, sem auscultação das comunidades educativas e científicas. Têm de ser construídas com as pessoas e não feitas nas suas costas, como lamentavelmente está a acontecer.
04 de agosto de 2025
Agenciar a gestão do sistema educativo, ensino não superior
(Jornal de Notícias, 04/ago), Francisco Gonçalves
No dia 31 de julho foi aprovada, em Conselho de Ministros, a reorganização do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI).
O caminho tinha sido preparado pelo ministro Fernando Alexandre. Sempre que havia um problema, fosse o número de alunos sem aulas ou os atrasos na publicação dos resultados das provas digitais, a responsabilidade nunca era política, era dos serviços do MECI, qualificado como anacrónico. Houve até quem fosse mais longe: monstro.
O tal monstro tem bem mais de um milhão de alunos, centenas de milhares de trabalhadores docentes e não docentes, milhares de estabelecimentos escolares e, onze meses por ano, de segunda a sexta, ministra aulas, disponibiliza apoios e atividades de enriquecimento curricular, preenche o tempo das crianças e jovens do país, praticamente do nascer ao pôr do sol e, anualmente, aplica exames e provas finais.
O tal monstro foi o responsável pelo salto educativo dos portugueses nos últimos 50 anos. Foi uma estrutura que foi crescendo, conforme foram crescendo as atribuições à escola. Foi a existência de um serviço público central, a Escola Pública, que permitiu esbater as desigualdades do país, com problemas e insuficiências, é certo, mas foram a Escola Pública e o Ministério que a tutela que garantiram a universalidade do direito à educação e ao ensino.
Agora, à boleia de uma designada reforma do Estado, o governo avança para a extinção de todos os organismos do MECI (escapa a Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC)) criando, em sua substituição, um instituto (o IEQA - Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação) e uma agência (a AGSE - Agência para a Gestão do Sistema Educativo).
Uma agência, agencia, intermedeia: não é um serviço público; é para ser gerida, quiçá, por um privado, no espírito de uma PPP. A AGSE e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), umbilicalmente ligadas, farão a gestão da rede escolar, da oferta formativa e do pessoal docente (concursos, inclusive). Como é hábito nestes processos, para os novos organismos, é enviado pessoal político; ao pessoal técnico, normalmente, são oferecidos patins.
O que vai ganhar o país com a implosão do MECI? Talvez a motosserra de ouro, o prémio Milei!
01 de agosto de 2025
Implodir o ME — Crato prometeu, Alexandre quer cumprir!
Foi objetivo de Nuno Crato, o que, agora, Fernando Alexandre se propõe cumprir — implodir o Ministério da Educação. Eis um velho anseio da direita, em vias de concretização (caminho que está a ser seguido em países como a Hungria, a Argentina ou os Estados Unidos da América), o que confirma que esta intenção não resulta de um mero fetiche economicista, mas de um verdadeiro processo de liquidação do ministério responsável pela Educação.
Tal como acontece com a legislação laboral, a reforma Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), aprovada pelo governo (31/jul), cheira a troika. Pouco antes de ser ministro da Educação (fev/2011), Nuno Crato afirmava que “o Ministério da Educação deveria quase que ser implodido, devia desaparecer, devia-se criar uma coisa muito mais simples, que não tivesse a Educação como pertença, mas tivesse a Educação como missão, uma missão reguladora muito genérica e que, sobretudo, promovesse a avaliação do que se está a passar”.
14 anos depois, Fernando Alexandre parece disposto a dar andamento a este objetivo, o que permite perceber melhor ao que vem o ministro da Educação. De resto, este é um trabalho iniciado na anterior legislatura, embora então se tenha escudado na inevitável recuperação do tempo de serviço dos educadores e dos professores. O ministro da Educação decidiu anunciar estas alterações profundas com o envio de um email aos docentes e aos investigadores, em pleno período de férias. Não é feita qualquer menção às entidades eventualmente consultadas — como o Conselho Nacional de Educação ou outras —, o que leva a crer que não houve, nem haverá, qualquer auscultação. Tudo indica que o objetivo é meramente político, sem a intenção real de contribuir para o reforço da capacidade de resposta da Escola Pública.
Na polémica sobre o número de alunos sem professor ao longo do ano letivo, o ministro da Educação responsabilizou o ministério pela incapacidade de o obter, como se solicitar aos agrupamentos de escolas o número de alunos abrangidos pelos horários enviados para contratação de escola fosse tarefa impossível. Na polémica sobre o atraso na saída dos resultados das provas digitais, os “problemas técnicos” desaguaram numa averiguação. Também aqui, a responsabilidade não cabia a quem tomou a decisão de dar uma passada maior do que a perna, mas ao sistema…
Para Fernando Alexandre, os problemas devem-se à estrutura do ministério, pelo que quer extinguir, reconverter e transferir responsabilidades a esmo. Praticamente, apenas a IGEC se mantém. Os restantes organismos sofrem um severo desbaste:
- Na reorganização do ensino não superior, são eliminadas a DGEEC, a SGEC e o IGeFE e substituídos pela DGEPA (Direção-Geral de Estudos, Planeamento e Avaliação). São eliminados a DGE, a RBE, o IAVE, a DGEstE, a DGAE, o PNL, a ANQEP e a EMEC e substituídos pela EduQA (Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação) e pela AGSE (Agência para a Gestão do Sistema Educativo), tendo esta última interação com as CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional).
- Quanto às CCDR há uma intenção clara de as tornar tutela das escolas, propondo que uma das vice-presidências passe a ser de um(a) boy/girl indicado/a pelo ministério, ao que não são alheios três objetivos de natureza política: i) atribuir competências de decisão que deveriam ser de conselhos locais de educação (rede escolar ou ofertas formativas); transferir ainda uma parcela maior de financiamento do Orçamento do Estado para fundos europeus, tornando o sistema ainda mais vulnerável do ponto de vista financeiro; reforçar o poder dos municípios sobre as escolas, candidatando-se às verbas obtidas pelas CCDR e ganhando condições para uma forte ingerência na vida das escolas.
- Com a integração das instâncias da administração educativa responsáveis por salários ou pelas colocações de docentes em entidades superiores, em alguns casos com aparentes ligações às CCDR, os professores deverão preocupar-se em relação ao futuro regime de seleção e recrutamento, bem como ao pagamento de salários, podendo estar em aberto a interferência daquela entidade superior, dos municípios e dos diretores naqueles domínios.
- Na reorganização do ensino superior, são eliminados a DGEEC, a SGEC e o IGeFE e substituídos pela DGEPA (Direção-Geral de Estudos, Planeamento e Avaliação). São, ainda, eliminadas a DGES e a Agência Erasmus+ Educação e Formação, ambas substituídas pelo IES (Instituto para o Ensino Superior).
- Na reorganização da ciência e inovação, são eliminados a DFEEC, a SGEC, o IGeFE e substituídos pela DGEPA (Direção-Geral de Estudos, Planeamento e Avaliação). São, também, eliminados a FCT, o CCCM e a ANI e substituídos pela AI2 (Agência para a Investigação e Inovação). A ACL (Academia de Ciências de Lisboa) mantém-se.
Considerando o MECI como um todo, são 18 entidades que dão lugar a 7. Não é uma reforma que está em causa, é o desmantelamento do serviço público de educação e da ciência. No caso do ensino não superior, o grande problema está na extinção de todas as direções-gerais, cujas responsabilidades passam para a AGSE, e a criação de estruturas educativas nas CCDR. Esta opção tem por objetivo, como se refere antes, uma significativa transferência de responsabilidades para as CCDR e os municípios, ao nível da rede escolar, dos recursos materiais e dos recursos humanos, colocando em causa a universalidade do Direito à Educação.
Como há muito a Fenprof vem chamando a atenção, os níveis de comprometimento — e de investimento — poderão ser muito diferentes entre regiões, como entre municípios, dependendo, desde logo, de perspetivas distintas das respetivas lideranças, mas também de diferenças ao nível da capacidade financeira. Não é de mais afirmar que uma das grandes incógnitas que resulta de tal reorganização prende-se com o futuro dos concursos e colocações dos docentes, que se arriscam a perder o carácter nacional e transparente que a Fenprof e os professores defendem intransigentemente.
Ensino superior, ciência e inovação
Relativamente ao ensino superior e à ciência, importa ter bem presente que o sistema enfrenta hoje desafios profundos que exigem estabilidade, reforço do financiamento público e instituições sólidas e estrategicamente orientadas. As dificuldades de acesso e permanência dos estudantes, em particular devido à falta de condições económicas e habitacionais, estão na origem de taxas elevadas de abandono logo no primeiro ano de frequência.
A internacionalização, a formação de qualidade e a ligação efetiva ao avanço do conhecimento colocam exigências acrescidas ao sistema, que há décadas vive sem financiamento adequado e sem uma política consequente de combate à precariedade, que atinge a quase totalidade dos investigadores e um número crescente de docentes. Também a ciência exige estabilidade e visão estratégica, enquanto bem público que não deve ser subordinado a lógicas de mercado. A recente marginalização da investigação fundamental no último concurso da FCT ilustra os riscos de uma orientação centrada na inovação imediata e na lógica empresarial.
No entanto, em vez de enfrentar estes problemas com diálogo e responsabilidade, o Governo opta por uma reforma marcada por experimentalismo excessivo e ausência total de discussão. A extinção da FCT, apesar dos problemas que a têm afetado, é profundamente preocupante, tanto mais que é fundida com a ANI, eliminando a instituição pública que, com todas as limitações, assegurava a gestão da política científica nacional. Simultaneamente, a extinção da DGES, num momento em que se encontra em discussão a reorganização do sistema e a revisão do RJIES, é incompreensível. A apresentação destas medidas na véspera do período tradicional de férias de docentes e investigadores mais parece visar efeitos mediáticos, prometendo poupanças e simplificação sem qualquer fundamentação técnica ou auscultação das comunidades académica e científica. O setor não precisa de anúncios apressados e reformas unilaterais, mas sim de políticas públicas construídas com quem nele trabalha e com capacidade para dar resposta aos desafios estruturais que enfrenta.
Em suma
Ainda falta conhecer as medidas concretas que decorrerão destas alterações, mas, para já, vislumbra-se a implosão do Ministério da Educação (caminho que está a ser, agora, seguido em países como a Hungria, a Argentina ou os Estados Unidos da América), confirmando as piores expectativas da Fenprof relativamente às opções do governo. Não estamos perante um mero fetiche economicista, mas sim um verdadeiro processo de liquidação do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, uma opção pela desresponsabilização do Estado central do serviço público de Educação e pela sua redução, nas áreas da Educação e Ciência, ao papel de mero regulador. Não é este papel menor que tem de incumbir ao ministério.