Francisco Gonçalves: "Temos grande falta de professores"
22 de maio de 2025
Vanda Marques, editora da revista «SÁBADO»
O novo secretário-geral da Fenprof explica que a Federação convocou greve às provas de Monitorização da Aprendizagem (ModA), porque estão a ser implementadas “à custa da sobrecarrega dos professores” e sublinha que o número de alunos sem professores não é conhecido por motivos políticos e que "é urgente tornar a profissão cativante, porque há cada vez menos professores”. Defende vencimentos mais elevados, sobretudo no início da carreira.
Francisco Gonçalves (52 anos), professor de educação física, no agrupamento de escolas Gonçalo Mendes da Maia, é um dos novos secretários-gerais da Fenprof. O outro é José Feliciano da Costa (62 anos). Foram eleitos secretários-gerais, no 15.º Congresso Nacional dos Professores, com 96,6% dos votos. A existência de dois secretários-gerais, é uma “solução de unidade” que, garante Francisco Gonçalves, “não trará nenhum problema ao funcionamento da Federação”, pois, surge na sequência do legado de Mário Nogueira, “um líder carismático”. Na verdade, “já tínhamos uma coordenação a três, com um secretário-geral e dois adjuntos, daí que processos de condução dos trabalhos seja coisa “mecanizada”. Nesta entrevista à «SÁBADO», revela preocupação pela saída de 15 mil professores que não regressaram à profissão. Esta é uma situação que ocorre nos últimos seis anos, agravada pela falta de alunos nos cursos de formação de professores — 1200 novos alunos é manifestamente pouco. Quanto ao novo governo, pode contar com uma proposta de revisão do estatuto da carreira docente, que a Fenprof fará chegar “mal ele tome posse".
Acha que formas de luta, como por exemplo as provas ModA, são eficazes?
A greve às provas ModA é uma ação de luta diferente das greves clássicas. Decretamos greve, porque as provas realizam-se em período letivo, o que não acontece com as provas finais do 9.º ano e com os exames do ensino secundário. Esta greve serve para evitar que os professores sejam sobrecarregados com mais trabalho. Repare que há professores que são convocados para fazer as tarefas de secretariado, de vigilância das provas ou de correção, o que, em muitos casos, corresponde a um acréscimo de trabalho. Por outro lado, queremos diminuir a perturbação nas escolas. Imagine esta situação: eu sou professor do 4.º ano de escolaridade e sou destacado para fazer vigilância de prova. O que é que acontece aos alunos da minha turma? Vão ser distribuídos por outras salas, por outros professores, os que não foram destacados, que, deste modo, veem a sua turma ser acrescentada em seis ou sete alunos. Quanto à forma como estão a decorrer as provas, temos registo de situações para todo o gosto. Há escolas com forte adesão à greve; escolas onde estão a convocar maciçamente os professores, muito acima das necessidades; escolas que realizam provas de manhã, para umas turmas, e de tarde, para outras; casos em que os computadores não funcionam, ou que os alunos têm de levar os computadores pessoais; noutros casos, é a rede de internet que não funciona! Além disso, temos conhecimento de prolongamento, no tempo da prova: uma prova que devia durar determinado tempo, dura mais meia hora.
Tem noção do número de professores que fizeram greve às provas ModA?
Ainda estamos a fazer esse levantamento, mas há a ideia de que na zona de Lisboa a greve tem tido mais impacto do que no Norte. Mas o que interessa anotar, é que está-se a fazer de tudo, num registo de vale tudo, para que as provas se realizem. E eu pergunto: que validade terão os resultados de uma prova que não acontece exatamente nos mesmos moldes em todo o lado?
Refere-se, por exemplo, ao acesso aos computadores?
Sim. E ao tempo de duração. A realização de provas ou exames tem regras. Por exemplo, quando há um exame não é professor da turma, nem da disciplina, quem o vigia — é outro; a prova dura ‘x’ tempo, portanto, é o ‘x’ tempo que dura; é aberta ao mesmo tempo para todos os alunos no país; não há umas provas a acontecer primeiro e outras depois. Nas provas ModA, em muitas escolas, são os professores titulares de turma que aplicam a prova; a duração não é igual para todos; uns fazem hoje, outros fazem amanhã; na mesma escola, uns fazem de manhã, outros de tarde... Ou seja, não estão garantidas as condições para a realização análise comparativa, porque não há uma padronização naquilo que é aplicado.
E o que é que devia ser feito?
Se o propósito das provas é aferir as aprendizagens dos alunos, não em termos individuais, mas como um todo, por ciclo, então, os resultados seriam mais fiáveis, se a avaliação fosse feita por amostragem, num processo científico, claro está. Além disso, se o objetivo é a aferição, a prova deveria ser realizada a meio do ciclo (2.º ano e 5.º ano), para se perceber o que está mal e haver tempo para corrigir. No entanto, parece que propósito escondido destas provas é a criação de rankings. Ou seja, o que interessa é que os resultados sejam publicados, para depois comparar escolas. É esse o caminho que se está a seguir.
E esse é um caminho errado, na sua opinião?
Na nossa opinião, é o caminho errado! O que acontece com as provas finais do 9.º ano e com os exames do ensino secundário é que estamos perante provas que ocorrem com o mesmo padrão de aplicação, coisa que não sucede agora. O que parece é que o ministério pretende criar o instrumento provas ModA, para fazer o mesmo que faz com as outras. Este é o caminho para que, daqui a uns anos, existam exames no 4.º ano, no 6.º ano, no 9.º ano e no ensino secundário, com resultados publicados, rankings produzidos, criando, nos vários ciclos, uma espécie de campeonato de escolas. E a ideia dos exames, nestes primeiros anos, pode ser profundamente nefasta e introduzir critérios de grande estigmatização social. E repare que, nos exames do ensino secundário, não entram os do ensino profissional, ao passo que as provas do 1.º e 2.º CEB abrangem todos os alunos.
Quais são as reivindicações da nova direção da Fenprof?
Podemos afirmar que é um contínuo daquilo que vimos reivindicando. O grande problema que temos é o da falta de professores. Não é por acaso que o ministro da Educação não divulgou os números de alunos sem professor. Para nós, não colhe o argumento de que não é possível encontrar um número. Não é crível que o ministério não os tenha. Não podemos acreditar que as direções-gerais não tenham um registo, desde o início do ano, das aulas que foram dadas e das que não foram. Ainda que seja só possível um cálculo, por estimativa. Se olharmos para trás, há sempre registos, portanto, os números não foram apresentados porque estivemos em período eleitoral e, por isso, não interessava a sua divulgação. Por outro lado, não havia a quem atribuir culpa que não fosse ao próprio governo.
De quantos alunos é que, provavelmente, estamos a falar?
É sempre difícil de fazer esse cálculo, até porque nós não temos os dados que o ministério tem. Os cálculos que fomos fazendo, ao longo do tempo, tinham em conta os horários de contratação de escola, aos quais atribuímos um número médio de alunos por turma e fomos fazendo as contas por aí. Estamos, portanto, no domínio da estimativa, pelo que, pode não ser exatamente assim.
Fala-se em 34 mil alunos sem professor, acha que é um número provável?
É um número aceitável, mas, volto a frisar, é uma estimativa. Para nós há um outro aspeto a considerar que são as medidas que o ministério tomou. Do conjunto, só duas é que tiveram algum significado e, de algum modo, terão mitigado o problema.
Quais?
O recurso a horas extraordinárias, sobrecarregando ainda mais os professores e o recurso a pessoas não habilitadas para a docência. Neste último grupo, há pessoas que, para além de não terem qualquer estágio ou competência pedagógica, não têm sequer habilitação profissional ou científica para ministrar a disciplina.
Por exemplo…
Uma situação concreta na educação especial — na zona da Grande Lisboa, puseram professores de educação física a trabalhar nesta área. Ora, estes professores não têm habilitação profissional para tal. Outro exemplo: técnicos especializados, colocados nas escolas, estão a ocupar o tempo dos alunos. Por outro lado, temos de estar preocupados quando verificamos que as aposentações, no ano passado, foram quase 4 mil e só tivemos 1200 alunos a entrar em cursos de formação de professores, que só estarão formados daqui por cinco anos. Neste ritmo, nos próximos anos, o problema da falta de professores agravar-se-á, porque o aumento do número de alunos que entram nos cursos de formação de professores é manifestamente insuficiente.
Porque é que os alunos não querem ser professores?
A carreira não é atrativa. Nos últimos 6 anos, 15 000 pessoas, que eram professores, que tinham habilitação profissional, abandonaram a profissão! São números do próprio ministério. Se o fizeram, é porque o que auferiam em termos de vencimento, não era suficiente. O cenário é o seguinte: há grande falta de professores na Grande Lisboa, Algarve e Alentejo, o maior número de professores é do Norte, logo para os deslocar é preciso criar condições, tornando a profissão atrativa. E isto está relacionado com as remunerações, com a carreira, com as condições e os horários de trabalho, com a existência, ou não, de apoios à deslocação, incentivos à fixação de professores... Depois temos, uma outra questão que a professora Isabel Flores dava nota, numa formação da Fenprof: tal como acontece em outros países da Europa, há um conjunto de professores que começa a trabalhar e passado um, dois ou três anos abandona a profissão, conferindo algum significado à taxa de abandono.
Encontra razões para esse abandono?
Eventualmente, o facto de esta ser uma profissão de relação pessoal. É sabido que, na profissão, são geridas diariamente situações de conflito com os alunos, com os pares, com os pais e encarregados de educação ou com a direção das escolas. Vivemos numa sociedade cada vez mais complexa, com uma população escolar cada vez mais diversa, e os recursos à disposição dos professores não são suficientes para dar uma resposta adequada. Por exemplo, cerca de 14% da população escolar é imigrante e há alunos não falam português, francês ou inglês, pois são de outras proveniências. Nas escolas, faltam professores de português língua não materna, o que a juntar às situações de desigualdades sociais e económicas, faz com que esta seja profissão muito exigente. Para fazer frente à complexidade das populações escolares e às desigualdades existentes que vêm de fora para dentro da escola, é necessário criar equipas multidisciplinares, com intervenção do Estado, a nível central, e das autarquias locais, em determinadas zonas onde há problemas sociais complexos. Não é pelo facto de os alunos passarem os problemas para dentro da escola que eles desaparecem. Muitas vezes, o que se pede à escola é que resolva um conjunto de problemas que vêm de fora. É claro que a escola pública tem o seu papel a desempenhar, mas estamos numa sociedade cada vez mais complexa, com situações de desigualdade gritantes e diferenças culturais, linguísticas e económicas de todo tipo. Escusado será dizer que os recursos que existem para dar resposta a essa diferenciação são manifestamente insuficientes. A escola não pode ser uma espécie de almofada da sociedade.
Então, como se muda esta profissão?
A questão central é a valorização da carreira e do estatuto da carreira docente. Depois, temos o respeito pelos horários de trabalho, o fim da burocracia, a criação de condições dignas para o exercício da profissão e a questão dos recursos que a escola não tem para dar resposta à complexidade de que falava.
As medidas do anterior governo não são suficientes?
Não. Claramente, não são suficientes. Aliás, o próprio ministro reconheceu isso mesmo quando fez a avaliação do plano "Mais Aulas, Mais Sucesso", ao reconhecer que a recuperação dos 15 000 professores, que tinham abandonado, ficou muito aquém do previsto. A Fenprof tem uma proposta que aponta para uma valorização dos escalões de vencimento, designadamente os mais baixos. A carreira docente é longa e só nos últimos escalões é que se dão os maiores saltos remuneratórios. Por isso, desde logo, é necessário tornar os primeiros escalões da carreira mais atrativos. Em termos ilíquidos, o 1.º escalão anda nos 1700€, na nossa proposta seriam, pelo menos, 2000€, a rondar o que é, atualmente, o 3.º escalão. Depois, é necessário que os saltos remuneratórios, entre cada escalão, sejam mais aproximados. São necessários, também, incentivos à deslocação e à fixação dos professores.
Tivemos eleições, a AD venceu e temos uma grande alteração no Parlamento. Como é que vê o resultado das legislativas?
Com bastante preocupação, tendo em conta os programas eleitorais. Primeiro, temos de ver que tipo de governo teremos e depois que tipo de programa do governo teremos. Para nós, o que é central é resolver os problemas da escola pública, dos educadores, dos professores e dos investigadores. Temos uma proposta de revisão do estatuto da carreira docente que vamos fazer chegar ao governo, mal ele tome posse. Temos um programa de ação e uma resolução para a ação reivindicativa, aprovados por unanimidade, por parte dos delegados ao 15.º Congresso. Para a Fenprof, a questão não é tanto os arranjos político-partidários que vão surgir, mas a resolução dos problemas dos professores e da escola pública.
(Texto editado por RR)
Fotografia inserta na Revista SÁBADO (sem autor identificado)