ESTATUTOS DOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO

Sindicato dos Professores do Norte / FENPROF


Resposta da FENPROF

ENSINO SUPERIOR

AVALIAÇÃO, REVISÃO E CONSOLIDAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

ESTATUTOS DOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO:
PRINCÍPIOS ORIENTADORES

1. Introdução

A FENPROF já entregou ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior vários documentos, que divulgou amplamente, contendo a sua posição quanto a questões de carreira. Refiram-se os seguintes: ?Propostas e Reivindicações da FENPROF para o Sistema de Ensino Superior e para as Carreiras Docentes e de Investigação?, de 04/06/2002; ?Propostas para as Negociações com o MCES sobre Carreiras e Salários?, de 22/11/2002 e ?Posição da FENPROF sobre o Futuro do Ensino Superior em Portugal?, de 27/02/2003.
Pretende agora a FENPROF, com este texto, responder mais especificamente ao documento do MCES intitulado ?Estatutos dos Docentes da Ensino Superior Público: Princípios Orientadores? entregue aos Sindicatos no passado dia 13 de Março.

1. As Carreiras Docentes e as Respostas Necessárias aos Desafios que o Ensino Superior Enfrenta
É já um lugar comum a afirmação de que o corpo docente e investigador de uma instituição de ensino superior constitui o seu mais valioso recurso.
Na realidade, da adequação das qualificações e dos níveis de desempenho do corpo docente dependem, em grande medida, a qualidade, a eficácia e a eficiência das missões que a uma instituição de ensino superior estão confiadas pela sociedade.
Ora, essas qualificações e esses níveis de desempenho dependem por sua vez, fortemente, das carreiras docentes e de investigação, que assim constituem um poderoso instrumento de gestão das instituições para atingirem os objectivos das respectivas missões.
Dependem muito, também, do modo como as carreiras são aplicadas e das condicionantes que envolvem a sua aplicação: ambientes de trabalho; cargas lectivas e número de alunos por turma; apoios e incentivos à formação e à qualificação; disponibilidades de apoio bibliográfico, de equipamento pedagógico e de investigação, e de pessoal não-docente adequadamente qualificado; dimensão dos quadros; níveis salariais e incentivos remuneratórios; etc.
Mais de 20 anos volvidos sobre a publicação dos actuais estatutos das carreiras docentes do ensino superior, importa realizar um balanço da sua aplicação (note-se que infelizmente este Ministério, como os que o precederam, não foi capaz de fazer esse exercício) que permita identificar os aspectos que carecem de alteração, tendo em vista resolver os problemas detectados e melhor adequar as carreiras às necessidades sociais a que o ensino superior é chamado a dar resposta e que têm vindo a sofrer grandes modificações.
Ao ensino superior, para além das tradicionais funções de formação de quadros e de criação, guarda e disseminação dos saberes, a sociedade actual tem vindo a exigir que assuma um papel cada vez mais importante na inovação e no aumento da produtividade e da competitividade da economia, o que tem servido de pretexto e de argumento ao neoliberalismo, com o precioso apoio da Organização Mundial do Comércio e de outras instâncias internacionais que tanto influencia, para denodadamente tentar alcançar, com o auxílio dos governos, os objectivos da privatização e da mercadorização do ensino superior, e da empresarialização das metodologias de direcção e de gestão das respectivas instituições.
Não defendendo que o ensino superior se deva alhear destas pressões sociais, a FENPROF entende, contudo, que é imperioso impedir que elas (e as ?soluções? do neoliberalismo) venham a comprometer as missões fundamentais do ensino superior, que implicam a perenidade e a prevalência das visões de longo prazo, da atitude prospectiva, crítica, democrática e humanista, em oposição à dependência directa das orientações dos interesses de curto prazo, nomeadamente das ditadas pelos grupos económicos e pelo mercado.
Importa assim procurar alcançar, através dos múltiplos instrumentos disponíveis (autonomia, gestão, financiamento, avaliação, carreiras docentes e de investigação), o difícil equilíbrio entre a melhor defesa das missões tradicionais do ensino superior e a mais eficaz resposta às novas necessidades sociais. As carreiras docentes constituem, a este propósito, uma primeira linha de defesa dos valores universitários e do ensino superior em geral, procurando-se, através delas assegurar o mais possível as liberdades académicas e de participação colegial nas decisões a tomar no âmbito de uma gestão democrática.
É assim inaceitável para a FENPROF que o MCES pretenda para a revisão das carreiras, simultaneamente, ?apontar para as perspectivas para o futuro? e ?ter em conta a conjuntura económica difícil que o país atravessa?. É que, a primeira asserção, com a qual se concorda, não se compadece com a extensão, anunciada pela segunda, às carreiras da estreiteza de vistas que tem levado o Governo a privilegiar a redução do déficite público, face às necessidades do desenvolvimento do país. Neste contexto, esta segunda asserção faz temer que as alterações desejadas pelo MCES vão no sentido de reduzir a despesa pública com o ensino superior, o que ameaça agravar a situação profissional dos docentes, prejudicar o desenvolvimento das instituições e comprometer o futuro do país.
A FENPROF já manifestou ao Ministro e reitera agora a sua disponibilidade de negociar para melhorar e não para piorar os actuais estatutos das carreiras, e para vir a estabelecer acordos quanto a medidas de aplicação faseada, de modo a permitir que a situação conjuntural não comprometa a possibilidade de encontrar as melhores soluções para a revisão das carreiras, designadamente quanto a incidências de carácter remuneratório. Note-se que, numa das primeiras reuniões, foi o próprio Ministro quem admitiu esta possibilidade, tendo a FENPROF mostrado de imediato a sua concordância com essa metodologia.
Por outro lado, atendendo à importância das carreiras docentes para o cumprimento das missões confiadas ao ensino superior, a FENPROF não pode deixar de chamar a atenção para as indefinições que continuam a pairar sobre o futuro do desenvolvimento do sistema e que obstam a que o processo de revisão das carreiras possa ser projectado de forma a dar a melhor resposta às necessidades.

2. Balanço da aplicação dos Estatutos das Carreiras Docentes e Orientações para a sua Revisão
O ECDU, ao atribuir ao doutoramento o papel de condição necessária, a cumprir em prazos definidos, para a manutenção na carreira e para a possibilidade de posterior aquisição de um vínculo estável; ao estabelecer o direito a 3 anos de dispensa de serviço docente para a preparação da dissertação e ao criar e valorizar o regime de dedicação exclusiva, contribuiu de forma determinante para a rápida qualificação do corpo docente das instituições universitárias e para o aumento da intensidade da participação dos respectivos corpos docentes nas actividades de investigação, de docência, de gestão e de ligação à sociedade.
Em contrapartida, o ECPDESP, não tendo caminhado em sentido idêntico, a não ser no se refere à importante questão da criação do regime de dedicação exclusiva, contribuiu para o atraso que ainda hoje se verifica na qualificação dos corpos docentes em muitas das instituições do Politécnico, situação agravada pelo regime excepcional de contratação que vigorou durante os regimes de instalação e pelas gritantes carências de lugares do quadro que a tendem a perpetuar .
De facto, os estatutos de carreira do Politécnico contribuíram para a desmotivação dos docentes e para a criação de uma autêntica carreira paralela de docentes equiparados (com contratos precários, mas encontrando-se em regime de tempo integral e até de dedicação exclusiva, distorcendo os objectivos daquela figura estatutária), pois não facultaram aos docentes o direito a uma efectiva carreira ? nem o mestrado, nem mesmo o doutoramento, asseguram no Politécnico o direito a prosseguir na carreira e à obtenção de um vínculo estável, como acontece no universitário a partir da obtenção do doutoramento.
A estabilidade na carreira só é possível atingir-se, no caso do Politécnico, após o provimento num lugar do quadro, o que pressupõe a existência de uma vaga e a abertura de um concurso para o seu preenchimento, situações cada vez mais raras. Por outro lado, só recentemente e com as limitações que se conhecem se começou a apoiar a pós-graduação dos docentes do Politécnico através do Programa PRODEP.
Regressando ao ensino universitário, pode também concluir-se que a ênfase, justificada pelas necessidades existentes no final da década de 70, dada na carreira à obtenção dos graus para a aquisição de estabilidade contratual e que, em grande medida, explica a tendência geral dos júris de privilegiarem nos concursos a produção científica medida pela publicação de papers, favoreceu a dedicação dos docentes às tarefas de investigação, o que foi muito importante, mas veio prejudicar de uma maneira geral a dedicação dos docentes à componente pedagógica do seu trabalho.
Os efeitos negativos de não se ter procedido atempadamente, no universitário e no politécnico, a um equilíbrio na valorização das várias componentes do trabalho docente, tanto no que se refere à formação, como no que respeita às respectivas avaliação e recompensa, tornaram-se mais patentes (nomeadamente, no número de abandonos e de reprovações) à medida que se ia intensificando o fenómeno da massificação do acesso ao ensino superior.
Mais recentemente, os cortes orçamentais, a que as instituições de ensino superior têm sido sujeitas por sucessivos governos, vieram, no que ao corpo docente diz respeito, reduzir a possibilidade de contratação de novos docentes, encontrando-se a generalidade das instituições abaixo do valor fixado pelo Governo para o número padrão de docentes ETI. Esta situação veio tornar mais evidente a falta de emprego científico para as centenas de jovens que todos os anos obtêm os seus doutoramentos apoiados por bolsas da FCT.
Na realidade, apesar do fraco investimento nacional em investigação face à média da UE, parte desse esforço tem sido desaproveitado levando alguns a saírem de Portugal e outros a aceitarem empregos, onde as suas elevadas qualificações não são requeridas, ou a permanecerem ligados à investigação, com contratos precários ou apoiados por sucessivas bolsas de pós-doutoramento.
Por outro lado, a facilitação por proposta do Governo, de situações de acumulação de docentes do ensino público com o ensino privado; a tendência que se verifica em muitas instituições de ensino superior para contratarem licenciados ou mestres quando se encontram disponíveis doutores com o perfil desejado (a limitação dos quadros no politécnico e a impossibilidade de abrir concursos para professor auxiliar, no universitário, contribui para promover esta atitude); o bloqueamento da contratação de novos investigadores para os Laboratórios de Estado e para as Unidades de Investigação ligadas ao Ensino Superior, e a insipiência da investigação nas nossas empresas, apenas concorrem para agravar a situação.
Entretanto, nos concursos para o preenchimento de vagas para as várias categorias de professor do quadro, a coincidência entre os procedimentos de promoção e de recrutamento tem constituído um factor inibidor da mobilidade, contribuindo fortemente para a tal ?endogamia? de que as instituições tanto são acusadas. Efectivamente, muitas instituições preferem criar as condições para que os seus docentes ganhem os concursos, sujeitando-se a críticas de falta de transparência, a correrem o risco de verem docentes de fora a ganhá-los, aumentando assim o seu número de docentes e os gastos com pessoal, sem nisso terem qualquer interesse.
Por outro lado, se uma instituição necessita de um novo docente, prefere recrutá-lo ao nível de licenciado, em parte porque assim não prejudica as possibilidades de promoção às categorias de professor dos docentes de que já dispõe e que se encontram em fase de formação. Esta atitude, resultante da necessidade de existência de vagas para a promoção interna, tem assim prejudicado a mobilidade, no que respeita ao ingresso de jovens doutorados por outras instituições, pelo menos tanto quanto a tem favorecido, no que se refere a forçar os mais velhos, devido ao bloqueamento dos quadros nas suas instituições, a candidatarem-se aos poucos concursos que outras instituições venham a abrir. Para a FENPROF, a mobilidade deverá resultar da aprovação de incentivos pela positiva que apoiem a instalação de agregados familiares noutra região e que perspectivem melhores condições de trabalho no ensino e na investigação.
A inexistência de um sistema de mérito absoluto para a promoção, que seria possibilitado pela criação de quadros globais, como propõe a FENPROF e que já está em vigor noutras carreiras da administração pública, designadamente abrangendo o pessoal não-docente do ensino superior, mantém teimosamente para os quadros a estrutura hierárquica de tipo castrense desajustada das necessidades do desenvolvimento institucional e da resposta a dar às novas exigências sociais.
Na realidade, ao pretender-se a perpetuação de uma estrutura hierárquica rígida, de base pretensamente funcional, para além de não se premiar a aquisição de mais elevadas qualificações e de melhores desempenhos, com as inerentes consequências negativas na motivação, permite-se que se mantenham relações de poder retrógradas e prejudiciais que mais cedo ou mais tarde terão que ser ultrapassadas.
A persistência na actual estrutura de quadros, restritiva quanto ao reconhecimento das elevadas qualificações que muitos docentes vêm adquirindo, tem conduzido também à degradação de ambientes de trabalho e à elevação da litigância judicial e tem, inclusive, levado a graves atropelos ao estabelecido no ECDU, pois, face ao reduzido número de vagas e ao elevado número de candidatos merecedores de uma promoção, há instituições que têm aberto ilegalmente concursos para mais do que um grupo de disciplinas em simultâneo, com o propósito de permitir uma oportunidade de promoção a todos, mostrando até que ponto a questão hierárquica de base funcional se encontra desajustada.
No que concerne à relevância social do trabalho docente, a mencionada massificação que apenas se impôs como uma realidade alguns anos depois da publicação dos actuais estatutos levou à necessidade de uma oferta de formações diversificada e em ligação com as exigências do tecido económico e social, designadamente de âmbito regional. Contudo, os mecanismos de regulação estiveram ausentes ou foram pouco eficazes, tendo sucessivos governos enviado para as instituições sinais enganadores e contraditórios, o que conduziu à concretização de iniciativas de formação de relevância social muito duvidosa que vieram a ter reflexos negativos na construção de corpos docentes nas melhores condições de habilitação e de qualificação para dar resposta às necessidades do desenvolvimento social, cultural e económico sustentado do nosso país.
O advento do ensino transnacional que se vem desenvolvendo com forte intensidade, aplicando ao ensino as novas tecnologias da informação e da comunicação, vem obrigar, por seu lado, a que seja dada uma resposta eficaz às tentativas de transformação do ensino superior numa mercadoria, como qualquer outra, de modo a preservar a identidade cultural do país e a sua independência criativa. Neste sentido, é imperioso que as carreiras valorizem o papel do professor num ensino modernizado, centrado na aprendizagem dos alunos e incorporando as novas tecnologias, nomeadamente, as do e-learning. Importa também valorizar mais a relação entre investigação e ensino, onde avulta a formação pela investigação.
O processo de Bolonha só virá a ser adequadamente aproveitado se os docentes se encontrarem habilitados e motivados para trabalharem na reconsideração (ou na definição), em cada área consolidada do saber, dos objectivos das formações, atendendo designadamente à respectiva relevância social e às profissões a que dão acesso, e para, a partir deles, organizarem os planos de estudo e de aprendizagem, e os curricula, aplicando correctamente o sistema ECTS que atribui especial ênfase às atitudes e competências a adquirir pelos alunos.
A redução demográfica, conjugada com uma maior exigência já aprovada para vigorar a partir de 2005 no acesso e com a escandalosa ineficiência do sistema de ensino (que leva a que no ensino secundário 50% dos inscritos o abandonem sem o concluírem) ameaça a solvência de muitas instituições, por aplicação da Lei N.º 1/2003 que o Governo fez aprovar na Assembleia da República, e põe em risco o emprego de muitos docentes, o que pode agravar o déficite de emprego científico atrás mencionado.
As capacidades instaladas em meios humanos e materiais, em todas as instituições e, em particular, nas mais vulneráveis à quebra demográfica, devem ser aproveitadas no interesse público, designadamente, para participarem no indispensável processo de qualificação da população activa portuguesa (formação avançada, ensino ao longo da vida, cursos pós-secundários de especialização tecnológica) e para desenvolverem de forma mais intensiva e internacionalizada a investigação fundamental e aplicada, participando na criação do Espaço Europeu de Investigação, o que não dispensa, antes reforça, o imperativo da ligação com o tecido económico, social e cultural nacional, designadamente o de base regional.

3. Comentários aos ?Princípios Orientadores? apresentados pelo MCES
Muitos dos ?Princípios Orientadores? propostos pelo MCES carecem da explicitação da sua concretização para que seja possível sobre eles tomar uma posição adequadamente fundamentada. Naquilo que atrás não se encontra já tratado, apresenta-se de seguida alguns comentários, tomando como referência as opiniões e as propostas já apresentadas e divulgadas pela FENPROF e que se encontram disponíveis na sua página da www.
?I ? Internacionalizar o ensino superior?
Não se tem nada a opor aos ?princípios? enunciados. Quanto à sua concretização, que já vem sendo realizada em muitas instituições, haverá apenas que garantir a adequação dos perfis dos avaliadores e dos candidatos estrangeiros aos objectivos pretendidos que terão que ter em conta as realidades e as prioridades nacionais e as competências necessárias às funções a desempenhar.
Do ponto de vista da FENPROF, deve ser dada a máxima importância e prioridade à construção de um espaço lusófono de ensino superior. Designadamente, o desenvolvimento da cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa e com Timor precisa de programas que apoiem as nossas instituições do ensino superior na consolidação e desenvolvimento dos sistemas científicos e de graduação do ensino superior desses países.
A importância de desenvolver a cooperação com o Brasil requer a criação de programas diversificados de apoio à pós-graduação e a projectos de investigação científica entre escolas e unidades de investigação dos dois países.
?II ? Espaço Português de ensino superior?
Concorda-se quanto à necessidade de facilitar a mobilidade. Esta deverá ser incentivada, como já se referiu, pela positiva e não mediante medidas restritivas de natureza administrativa. Um sistema de quadros de dotação global e a separação entre os procedimentos de recrutamento e de promoção reduziriam muitos dos actuais obstáculos à mobilidade.
Devem os procedimentos relativos a provas e concursos tornar-se mais transparentes e equitativos, sem perder de vista, no que se refere à composição dos júris, a necessidade de garantir a respectiva idoneidade na área científica em causa.
?III ? Reforçar a qualificação do corpo docente, exigência de um ensino de qualidade?
Quanto a esta temática, a posição da FENPROF tem sido claramente favorável a carreiras que incluam elevadas exigências na qualificação e no desempenho dos docentes do ensino superior, acompanhadas das condições indispensáveis para a formação e para o exercício de funções, e de sistemas transparentes, justos e equitativos de avaliação e de recompensa do valor reconhecido.
Nesta conformidade, para ?um ensino de qualidade? são necessárias competências simultaneamente de natureza científica e pedagógica. Deste modo, as carreiras devem prever a necessidade de formação científica avançada e de formação pedagógica adequada; de mecanismos destinados a avaliar, certificar e premiar a aquisição de competências acrescidas nestas áreas, e da diversificação de perfis de competências dos docentes, de modo a assegurar as melhores eficácia e eficiência no cumprimento das diferentes missões do ensino superior. Concorda-se, assim, genericamente, com os 3 últimos ?princípios? incluídos neste capítulo, que vão no sentido do preconizado pela FENPROF, faltando no entanto a importante questão do seu modo de concretização.
Como se sabe, a FENPROF defende desde sempre a existência de um sistema integrado e diversificado de ensino superior, onde as instituições se distingam pela diversidade dos seus objectivos e projectos e não pelas diferenças de tratamento legal que lhes sejam impostas, independentemente da sua qualidade, das suas capacidades e das suas potencialidades. Assim, a FENPROF entende que, com a salvaguarda da diversidade de missões, deve incentivar-se a cooperação livremente assumida entre as instituições, sejam elas universitárias ou politécnicas, designadamente numa base regional ou temática, e deve-lhes ser aplicado o mesmo normativo legal.
Uma tal orientação será facilitada pela aproximação ou pela coincidência entre as carreiras docentes universitária e politécnica, que permita a qualquer instituição a flexibilidade para adequar a formação e as competências dos seus docentes aos objectivos que traçou para o seu desenvolvimento, validados por um sistema de avaliação adequado, transparente, equitativo e credível.
Tendo em atenção esta orientação geral da FENPROF, passa-se a comentar isoladamente os restantes (primeiros 6) pontos de ?princípio? incluídos no presente capítulo do documento do MCES:
O doutoramento como qualificação para o ingresso na carreira universitária é um princípio correcto, atendendo ao elevado número de doutores que têm sido formados nas mais diversas áreas, através de bolsas da FCT, mas que deixa sem se conhecer como pensa o MCES que sejam recrutados os docentes necessários para as áreas onde, apesar disso, não existem (ou onde existem muito poucos) doutorados, como por exemplo as áreas artísticas.
Assim, caso não seja possível a contratação de um doutorado, devem poder ser contratados mestres ou, na sua ausência, licenciados. A categoria de ingresso deverá ser a correspondente à habilitação do contratado. No caso, mais frequente, de o contratado ser um doutor sem uma experiência pedagógica mínima, este deverá ser considerado do ponto de vista lectivo como um estagiário, devendo a carreira prever a sua orientação e avaliação nesta componente de modo a poder assumir as responsabilidades que são confiadas a um professor auxiliar.
Aplicando-se ao caso do politécnico comentário idêntico ao anterior, concorda-se, na actual fase de desenvolvimento da generalidade das instituições politécnicas, com a intenção de exigir o mestrado como qualificação académica mínima para a entrada na carreira docente, sobretudo se tal significar que finalmente será consagrado o efectivo direito a uma carreira no politécnico, com o significado de que aqueles que obtêm o mestrado não necessitem da existência de uma vaga nos quadros para terem a possibilidade de prosseguirem na carreira. Contudo, na opinião da FENPROF, deverão ser prioritariamente contratados doutorados se estes apresentarem o perfil desejado.
Relativamente à exigência de rigor nas contratações de docentes equiparados no Politécnico, trata-se de uma medida positiva que vai no sentido da eliminação da carreira paralela mas que só será completa se for acompanhada de um regime de transição que permita a inserção nos quadros aos actuais equiparados que se encontrem em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva e que tenham cumprido um tempo mínimo de serviço efectivo.
Quanto à ?cessação da obrigação de contratação automática como consequência da obtenção do grau de doutor? deve salientar-se que aqueles a que se julga referir-se este ?princípio? já deverão estar contratados anteriormente à obtenção do doutoramento, senão a frase perde qualquer sentido. Uma vez que se pretende passar a realizar, no universitário, o recrutamento de novos docentes ao nível do doutoramento, então está-se a admitir implicitamente a necessidade de ainda se contratarem assistentes, como acima se defendeu.
Assim, embora os actuais assistentes tenham garantidos, pelo MCES, os seus direitos adquiridos, não é aceitável que os novos possam ser postos no desemprego, após a obtenção do doutoramento, sem terem sequer direito a subsídio de desemprego (o MCES e o Governo aparentam continuar a ignorar a decisão do Tribunal Constitucional que deliberou pela inconstitucionalidade desta situação a pedido do Provedor de Justiça que para isso fora instado pela FENPROF).
Pode ser razoável, no âmbito de uma valorização na carreira de todas as componentes do trabalho docente, nomeadamente a pedagógica, que seja pedida aos novos assistentes outra prova de mérito absoluto destinada a avaliar capacidades para além das que o doutoramento certifica, mas é inaceitável que, contratados pelo facto de serem indispensáveis para darem aulas, possam ser encarados como docentes descartáveis após terem obtido o doutoramento. Nada justifica que os novos assistentes, que deverão ser poucos por serem contratados apenas em casos excepcionais e por não se prever a continuação da expansão que o sistema experimentou nas duas últimas décadas, não venham a ter direitos semelhantes aos actuais.
Quanto à abolição das provas de aptidão pedagógica e capacidade científica que, é bom que se note, apenas são equivalentes ao mestrado para efeitos de progressão na carreira docente universitária, nada há a opor uma vez que tinham caído em desuso face à proliferação da oferta de mestrados em quase todas as áreas científicas. Esta posição não significa, contudo, que se concorde com a inexistência de provas destinadas a avaliar as capacidades pedagógicas dos docentes na carreira revista.
No que se refere finalmente ao ?princípio? de regulamentação da prova de agregação falta saber em que sentido se pretende alterar tal prova, pois ela tem sido realizada e encontra-se, mal ou bem, regulamentada. Ela terá que ser modificada de acordo com a estrutura de provas e concursos, de modo a que as habilitações e as qualificações a avaliar correspondam a uma situação equilibrada em termos das diversas componentes do trabalho docente (docência, investigação, gestão, ligação à sociedade), organizadas convenientemente em sequência temporal ao longo da carreira, como parecem indicar os ?princípios? já referidos que se seguem a este, no documento do MCES.
Desde já, é de abolir o voto secreto na prova de agregação, passando-se ao voto nominal e justificado, como acontece no mestrado, doutoramento e concursos (excepto nas provas públicas do Politécnico, onde o voto secreto deverá também ser eliminado).
?IV ? Promover a estabilidade do corpo docente?
Para a FENPROF, promover a estabilidade do corpo docente é assegurar mecanismos de vinculação estável à administração pública após um período probatório máximo de 3 anos cumprido com êxito, o que é mais exigente do que em qualquer outra carreira da função pública. A forma mais correcta de o assegurar seria consagrar que o ingresso na carreira se fizesse por nomeação provisória para um lugar de quadro de dotação global (cujos lugares não se encontrassem à partida distribuídos pelas diferentes categorias).
O docente faria a progressão na carreira por provas de mérito absoluto, isto é, sem a necessidade de concorrer com outros para uma vaga do quadro da categoria superior. Como o quadro não teria dotações fixas por categorias, obtida a aprovação, o docente passaria à categoria seguinte e o lugar que ocupava também.
No caso em que, após o período probatório cumprido com êxito, o docente viesse a ver-se impedido de prosseguir na carreira por não ter conseguido reunir as condições estabelecidas para o efeito, passaria para o quadro de uma outra carreira da função pública, compatível com as suas habilitações. Um vínculo definitivo à carreira docente apenas seria alcançado, como hoje, após o cumprimento dos requisitos fixados para tal.
Assim, a FENPROF estranha que num capítulo intitulado ?promover a estabilidade do corpo docente? nada seja apontado no sentido da resolução efectiva do actual problema que consiste no facto de estarem a exercer funções, com contratos a prazo, suprindo necessidades permanentes do sistema (o que é inconstitucional), cerca de 70% de todos os docentes. A possibilidade de reclassificação profissional no âmbito de outras carreiras da função pública (direito que já existiu e foi retirado) também não é mencionada.
Admite-se que a intenção de estabilidade expressa no título deste capítulo venha a materializar-se em regimes de transição para a carreira de muitos dos docentes impropriamente contratados como equiparados ou convidados (seria bom uniformizar a terminologia usando a designação única de ?convidados? para ambos os casos) de forma a assegurar-se uma proporção de docentes ?convidados? mais consentânea com o objectivo estatutário da figura, o que a FENPROF apoia, e que parece decorrer de alguns dos ?princípios? propostos pelo MCES neste capítulo. Contudo nada garante que esse seja o propósito do Ministério.
No entanto, o supremo cinismo seria que num capítulo com esta designação o MCES adiantasse ?princípios? que encobrissem a intenção de forçar ao despedimento de muitos dos actuais ?convidados? a pretexto de serem demasiados para as proporções a fixar relativamente aos docentes ditos de carreira, com o ?argumento? adicional de serem dispensáveis devido à quebra demográfica e aos cortes que o Ministério planeia efectuar nos numeri clausi dos cursos, sobretudo na área das Ciências Sociais e Humanas, independentemente da procura que tenham.
A FENPROF recusa-se a acreditar que este cenário possa vir a revelar-se verdadeiro quando os ?princípios? vierem a ter a sua concretização legal, mas promete que irá estar muito atenta. Será necessário que o Ministério esclareça quanto antes quais as suas reais intenções, uma vez que em parte alguma do documento se menciona o alargamento dos quadros, apenas se referindo a criação de quadros de professores auxiliares, sem precisar sequer os critérios do respectivo dimensionamento, como a seguir se verá.
Especificamente quanto à criação de quadros para professores auxiliares, só não se considera que se trata de um presente envenenado para ... os actuais assistentes, porque o MCES garante os respectivos direitos adquiridos. É que, se o acesso à categoria de professor auxiliar passar a realizar-se para um lugar do quadro, tal apenas será possível, no actual sistema, por concurso, o que facilita o recrutamento de jovens doutores (positivo), mas coloca uma barreira administrativa à progressão dos novos assistentes (negativo).
Ora para garantir os direitos adquiridos pelos actuais assistentes e assistentes estagiários, bem como os dos assistentes convidados, o MCES terá que aprovar quadros com a dimensão necessária para acomodar na categoria de professor auxiliar todos aqueles que vierem a realizar o seu doutoramento, ou criar automaticamente lugares supranumerários no quadro dessa categoria. Por outro lado, de acordo com o acima referido, haverá também que prever lugares nesse quadro para os novos assistentes quando estes se doutorarem. Se esta for a intenção do MCES, então a criação de quadros para professores auxiliares poderá ser um passo para a criação dos quadros de dotação global que, sendo dimensionados de acordo com as necessidades reais das instituições, resolveriam todo o problema.
Relativamente às restrições a fixar para a contratação de docentes equiparados ou convidados, aplicam-se as observações apresentadas no capítulo anterior do documento em apreço.
No que se refere à responsabilização pessoal dos membros executivos dos órgãos universitários e politécnicos pelo cumprimento da legislação relativa à contratação, não se entende o alcance desta medida uma vez que os titulares dos órgãos da administração pública se encontram já sujeitos a procedimento disciplinar quando praticam actos ilegais. No entender da FENPROF o que é mais necessário a este respeito é a criação de uma Alta Autoridade para o Ensino Superior de acordo com proposta já entregue ao MCES.
?V ? Precisar os direitos e os deveres dos docentes?
O conteúdo deste capítulo parece consensual excepto no que se refere à questão de a dedicação exclusiva passar a ?importar a realização de obrigações adicionais à instituição?. É um assunto demasiado sensível e por isso demasiado polémico para ser tratado de forma tão lacónica.
Aceita-se naturalmente que os docentes em dedicação exclusiva deverão assumir uma maior disponibilidade para a sua instituição do que os que simplesmente estão em regime de tempo integral. A questão está em como mensurar ou avaliar essa disponibilidade e a quem responsabilizar por ela não estar em alguns casos a ter o aproveitamento devido em prol da instituição.
Concorda-se com a intenção de defender a dignidade deste regime que representa uma importante conquista dos sindicatos da FENPROF e que veio beneficiar os docentes e o ensino superior em geral. Existe já a obrigação dos relatórios quinquenais, mas não se tem revelado um instrumento eficaz. O tempo de dedicação à instituição está há muito fixado em 35 horas semanais. É cumprido e até largamente excedido por muitos docentes em dedicação exclusiva, mas certamente não por todos. Ora importa que a utilização deste tempo resulte de um entendimento a estabelecer entre o docente e os órgãos de gestão e de coordenação das actividades em que se encontra envolvido, respeitando, naturalmente, os limites legais, o que infelizmente nem sempre acontece, em especial quanto às cargas lectivas que muito frequentemente ultrapassam esses limites. É aceitável, dentro de certos limites, que um docente em regime de dedicação exclusiva não possa recusar cargos para que seja eleito ou tarefas do seu âmbito funcional para que seja designado pelos órgãos competentes. Não é, contudo, aceitável que a atribuição da dedicação exclusiva fique dependente de decisões de carácter discricionário ou arbitrário de qualquer órgão de gestão. Este estatuto deve manter a sua pureza inicial de se tratar de uma opção livre, exclusivamente tomada pelo próprio docente, e à qual se admite possa vir a estar associada uma maior objectividade na caracterização do significado da maior disponibilidade que tal estatuto impõe a um docente que por ele livremente tenha optado.
A FENPROF entende ainda que a defesa da dignidade do regime de dedicação exclusiva passa igualmente por uma criteriosa fixação de regras que obstem a que actividades sem valor acrescentado para a instituição (p. ex.: projectos de contratação com empresas, sem carácter inovador, ou de leccionação noutros estabelecimentos, sem retornos evidentes para a qualidade da actividade na própria instituição) sejam desenvolvidos apenas porque permitem a angariação fácil de verbas próprias para compensar as deficiências das transferências do Orçamento de Estado ou para aumentarem as remunerações dos docentes.
Quanto à intenção de ?clarificar o estatuto de equiparação a bolseiro?, importa que o MCES clarifique ele próprio o que pretende ?clarificar?, para que seja possível formular uma opinião quanto a este ?princípio?.
?VI ? Ampliar a autonomia das instituições?
O MCES parece querer abrir aqui a possibilidade da aplicação do contrato individual de trabalho às instituições públicas de ensino superior. Trata-se de uma matéria controversa a exigir um maior esclarecimento. Tratar-se-á de uma forma de precarizar ainda mais a contratação de docentes? Ou de pagar abaixo da tabela da carreira, p. ex. contratando docentes com referência a categorias inferiores às habilitações que detêm? Ou trata-se do inverso? À partida a FENPROF não aceita a criação de tantas carreiras e de tantas formas de remuneração quantas as instituições e, até, quantos os docentes. Tal caminho iria introduzir grande discricionariedade e seria muito permeável a arbitrariedades e ao tráfico de influências.
Quanto a se ?permitir a atribuição de remunerações suplementares por objectivos? é um assunto a debater, sobretudo no que se refere à questão das garantias de transparência e equidade no acesso a tais suplementos remuneratórios, designadamente quanto à abrangência temática dos ?objectivos?, não havendo, contudo, razões de princípio da FENPROF para rejeitar à partida este desiderato do MCES.
?VII ? A transição?
Saúda-se o reconhecimento dos direitos adquiridos pelos actuais docentes, mas estranha-se que nada seja referido sobre regimes transitórios destinados à estabilização contratual de muitos dos docentes que se encontram nas ?carreiras paralelas? dos equiparados no politécnico e dos convidados (embora em menor número) no universitário, e, portanto, quase sem direitos. A FENPROF defende assim que para além dos direitos adquiridos sejam salvaguardados as expectativas legítimas criadas aos docentes.
?VIII ? O desenvolvimento do processo?
Concorda-se com a metodologia de debate e de negociação proposta pelo MCES para o arranque deste processo, ficando-se a aguardar propostas mais concretas para negociação ainda durante o mês de Maio.

6 de Maio de 2003
O Secretariado Nacional
João Cunha Serra
Coordenador do Departamento do Ensino Superior


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