Caderno Reivindicativo dos Educadores e Professores Portugueses (2002)

26 de março de 2002

Sindicato dos Professores do Norte / FENPROF

Caderno Reivindicativo 

dos educadores e professores portugueses

Introdução

No momento em que se inicia a XI Legislatura é tempo dos professores e educadores portugueses, através da sua mais importante organização sindical, a FENPROF, definirem o Caderno Reivindicativo a apresentar ao novo Governo.

As propostas que nele constam não são novas, têm sido apresentadas a diversos Governos e resultam de um conhecimento efectivo das actuais condições de exercício da profissão docente, das dificuldades com que se deparam as escolas no seu normal funcionamento e de muitos dos problemas que afectam o sistema educativo português.

É comum afirmar-se, e é verdade, que a Escola portuguesa se encontra mergulhada numa profunda crise que obrigará o Governo a tomar medidas que a contrariem, algumas de carácter urgente e excepcional. Para combater essa crise urge que a política educativa a desenvolver pelo novo Governo assente numa clara afirmação da Escola Pública como um espaço educativo de qualidade, orientado para a inclusão, capaz de assumir as suas responsabilidades sociais e apto a responder às múltiplas exigências com que se depara.

Nesse sentido, é fundamental que o novo Governo adopte uma atitude dialogante que permita encontrar soluções adequadas para os problemas dos professores, das escolas e do sistema educativo, estabelecendo processos negociais, a desenvolver no respeito pela representatividade das organizações sindicais.

Como contributo para os indispensáveis processos de negociação a FENPROF apresenta, desde já, as suas prioridades reivindicativas, assentes nas seguintes exigências e propostas:

a. estabilizar, valorizar e dignificar a profissão docente e o seu exercício

1. Estabilizar o exercício da profissão

a) garantia de vinculação de todos os docentes profissionalizados e de habilitação própria com 2 ou mais anos de serviço. Excepcionalmente, para 2002/2003, a FENPROF defende o ingresso nos quadros dos docentes profissionalizados e não profissionalizados com 4 ou mais anos de serviço, desde que tenham prestado serviço docente nos dois últimos anos lectivos, conforme os termos acordados com o Governo anterior;

b) revisão da actual legislação de quadros e concursos no sentido de adequar os quadros às reais necessidades das escolas e de um sistema educativo apostado na melhoria da qualidade do ensino e do sucesso escolar, e de garantir a estabilidade profissional dos docentes de todos os níveis e graus de ensino e também da Educação Pré-Escolar e Ensino Especial;

c) aplicação do sistema de quadros globais no ensino superior e abolição dos constrangimentos decorrentes da afectação de vagas a categorias;

d) aprovação de incentivos à colocação e fixação de docentes em áreas isoladas e desfavorecidas, nomeadamente, através da regulamentação do artigo 63º do ECD;

e) efectiva aplicação dos direitos inerentes à Lei de Protecção da Maternidade e Paternidade aos docentes contratados;

f) aprovação de medidas destinadas a garantir a reclassificação profissional no âmbito da função pública aos docentes que não tenham concluído o seu doutoramento ou que não sejam nomeados definitivamente na carreira;

2. Garantir uma carreira digna e valorizada

a) valorização dos salários dos professores, no quadro da valorização geral dos salários dos trabalhadores portugueses, tendo em vista uma aproximação progressiva aos níveis salariais europeus;

b) redução do leque salarial da carreira docente do ensino ?não-superior?, com uma intervenção excepcional nos índices de ingresso, e aprovação de impulsos indiciários regulares. Cumprimento do acordo salarial de 1996 relativo às carreiras do ensino superior;

c) valorização do estatuto profissional dos docentes do ensino particular e cooperativo e das IPSS, equiparando as suas condições de trabalho, carreira e remunerações aos docentes do ensino público;

d) aprovação, aplicação, actualização e revisão das carreiras dos docentes do ensino superior público e do particular e cooperativo, dos professores das escolas profissionais e de todos os docentes que prestam serviço nos Ministérios da Saúde, da Justiça e da Segurança Social.

3. Reconhecer o desgaste profissional e valorizar o estatuto dos professores aposentados

a) redução para 30 anos de serviço, sem outras condições, do tempo necessário para a aposentação voluntária dos professores. Consideração de outras formas de apoio que compensem o desgaste físico e psíquico associado ao exercício prolongado da profissão docente;

b) actualização das tabelas de comparticipação da ADSE nos actos médicos e na aquisição de medicamentos;

c) valorização das pausas lectivas como elemento indispensável para a relação pedagógica no âmbito do processo ensino/aprendizagem.

4. Uma formação orientada para a melhoria do desempenho profissional

a) adequação da formação contínua às necessidades efectivas dos professores e das escolas, no âmbito do desenvolvimento dos seus projectos educativos, e abolição do sistema de ?créditos? enquanto mecanismo de articulação entre a formação contínua e a progressão na carreira;

b) garantia, até 2003, do acesso de todos os docentes bacharéis aos cursos de formação complementar para aquisição do grau de licenciatura;

c) publicação da legislação que permita o acesso àqueles cursos por parte dos docentes equiparados a bacharéis apenas para efeitos remuneratórios e de carreira.

b. uma educação de qualidade, uma escola pública para uma sociedade democrática, inclusiva e solidária

1. Um financiamento adequado às necessidades

a) aprovação de uma Lei de Financiamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário que estabeleça regras claras, universais e transparentes que suportem, com rigor, os orçamentos a atribuir às escolas e aos agrupamentos;

b) entrega, em 2003, às instituições de ensino superior dos Orçamentos Padrão que resultam da fórmula de financiamento e alteração da Lei de Ordenamento e Organização com vista à criação de um sistema único de ensino superior, integrado e diversificado, além da aprovação de outras medidas que ponham termo à menor dignidade social imposta ao ensino politécnico;

c) alteração do actual modelo de financiamento das escolas profissionais quase exclusivamente suportadas por verbas do III QCA.

2. Melhorar as condições de funcionamento das escolas

a) adequação dos quadros das escolas às suas reais necessidades;

b) criação de quadros nas escolas e nas zonas pedagógicas com vista a promover a integração de crianças e jovens com necessidades educativas especiais;

c) aprovação de uma Carta das Condições e Funcionamento das Escolas, tornando-a numa referência a ter em conta na avaliação da situação das escolas e na responsabilização do Estado perante elas;

d) redução do número de alunos por turma de acordo com as particularidades dos sectores de ensino e educação com a heterogeneidade da população escolar;

e) criação e/ou adequação do quadro de auxiliares de acção educativa em todas as escolas dos ensinos básico e secundário e nos jardins de infância;

f) revisão do despacho 10317/99, permitindo às escolas decidirem sobre o crédito global de horas necessário para o desenvolvimento de actividades de articulação curricular, direcção de turma e apoio educativo;

g) avaliação da aplicação do conceito de ?tempo para outras actividades? na componente lectiva do horário dos professores dos 2º e 3º CEB, no sentido do rigoroso e imediato cumprimento do Despacho nº 13781/2001, bem como no da introdução das correcções que se justifiquem;

h) aplicação, à Educação Pré-Escolar, do calendário escolar que se aplica aos ensinos básico e secundário.

3. Definir respostas sociais adequadas e de qualidade

a) criação das condições indispensáveis à construção de uma Escola de Turno Único, capaz de responder aos desafios da integração, da diferenciação, do combate à exclusão, apta a desempenhar o seu papel educativo e a assumir a sua função social;

b) generalização de respostas sociais, por parte das escolas, em domínios como o serviço de refeições e a criação de condições para o desenvolvimento de actividades de ocupação de tempos livres, designadamente no que respeita a recursos físicos, materiais e humanos, com a necessária co-responsabilização do Governo e das autarquias;

c) aprovação de um sistema de Acção Social Escolar que discrimine positivamente todas as crianças e jovens que dela necessitem;

d) concretização dos contratos-programa destinados à promoção do sucesso escolar no ensino superior.

4. Melhorar o sistema com medidas estruturantes indispensáveis

a) garantia de uma formação inicial de qualidade cuja profissionalização proporcione, num quadro ajustado de habilitações para a docência, um adequado ingresso na profissão e um apetrechamento técnico-científico que permita responder eficazmente às múltiplas e diversificadas exigências profissionais;

b) profunda revisão do actual regime de autonomia, direcção e gestão das escolas, num quadro de descentralização da administração educativa e de reforço da democraticidade na organização escolar. Nesse âmbito, deverão ser garantidos:

b1) a criação de Conselhos Locais de Educação, enquanto estruturas democráticas da administração ao nível local,

b2) uma profunda reestruturação da administração educativa, também no plano regional, e no quadro de uma nova lei orgânica do ME, no respeito pelo disposto na LBSE, e criação de instâncias a esse nível que apoiem efectivamente o funcionamento das escolas,

b3) o respeito pelas dinâmicas de associativismo pedagógico na construção de novos agrupamentos de escolas;

c) desenvolvimento de medidas de avaliação do sistema educativo e das escolas, em especial de mecanismos de avaliação interna, enquadradas num projecto de democratização da educação, que promovam a igualdade de oportunidades e a qualidade das práticas educativas de todas as escolas;

d) profunda reorganização da rede escolar, racionalizando recursos e elevando a qualidade das respostas educativas e sociais, num quadro de entendimento e de salvaguarda dos interesses e direitos de todos os parceiros educativos, designadamente alunos, professores, pais, autarquias e administração educativa;

e) aprovação e execução de um plano de requalificação do parque e equipamento escolar dos ensinos básico e secundário e da educação pré-escolar;

f) desenvolvimento do ensino profissional e de vias profissionalizantes no ensino público que contribuam para uma formação profissional de sustentada qualidade, que permita uma adequada integração no mundo do trabalho e o prosseguimento de estudos;

g) alteração do actual modelo de ensino recorrente, tendo em conta as experiências que se iniciaram há 3 anos, depois de devidamente avaliadas;

h) valorização do ensino português no estrangeiro, através da regulamentação do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 13/98, de 24 de Janeiro, (artigos 8º e 14º) e aplicação aos professores contratados locais, dos direitos consignados para os docentes contratados em Portugal.

5. Avaliar as inovações no domínio curricular e suas consequências na qualidade do ensino

a) avaliação do processo de generalização da reorganização curricular no ensino básico, com a introdução das medidas de correcção adequadas;

b) suspensão da generalização da revisão curricular do ensino secundário e negociação de uma reestruturação científica e pedagogicamente sustentada. Aprovação, com a participação da comunidade educativa, de:

b1) número e qualidade dos cursos, gerais e tecnológicos, a criar,

b2) um novo modelo de avaliação dos alunos,

b3) um novo regime de acesso ao ensino superior;

c) alteração do actual regime de avaliação dos alunos do ensino básico, no sentido de reforçar as estratégias de avaliação continuada como alternativa credível e de qualidade à introdução de exames;

d) criação de condições para o alargamento da obrigatoriedade escolar até ao 12º ano;

e) profunda reflexão e tomada de medidas adequadas à introdução de novas dinâmicas no regime de docência existente no 1º Ciclo do Ensino Básico;

f) desenvolvimento do ensino experimental das Ciências e das Tecnologias em todo o Ensino Básico.

c. TRÊS programas de carácter urgente e inadiável

1. Aprovação e execução de um plano nacional de emergência que permita a recuperação e humanização das escolas do 1º CEB e o seu apetrechamento com os materiais e equipamentos adequados, nos termos consagrados no Manifesto tornado público pela FENPROF e pela CONFAP.

2. Aprovação imediata de um plano, no quadro de uma forte e adequada Acção Social Escolar, de combate ao abandono e insucesso escolar.

3. Aprovação de um plano que permita combater as situações de indisciplina e violência nas escolas, com a necessária alteração do regime disciplinar dos alunos, a criação de condições excepcionais de trabalho e resposta em escolas de intervenção prioritária, a constituição de equipas multidisciplinares e o reconhecimento deste factor como relevante no crescente desgaste da profissão docente.

Nota Final

Com este Caderno Reivindicativo a FENPROF não esgota as suas posições e exigências em relação ao exercício da profissão docente, ao bom funcionamento das escolas e ao reforço e consolidação do sistema educativo português. Mais completas, mantendo-se actuais, apresentam-se as decisões do VII Congresso Nacional dos Professores realizado em 2001, que aprovou um Plano de Acção que contempla as orientações estratégicas da FENPROF até 2004.

A FENPROF, como é seu hábito, mantém-se firme na defesa das posições que apresenta, mas disponível para a negociação e para encontrar soluções que sirvam a Educação e o Ensino, conferindo-lhe a qualidade de que o país necessita.

É nesse quadro que este Caderno Reivindicativo é entregue à equipa ministerial do novo Governo, na certeza de que, com estas propostas, a FENPROF pretende contribuir para reforçar o direito de todas as crianças e jovens a uma Escola Pública, Inclusiva e de Qualidade.

Lisboa, 26 de Março de 2002

O Secretariado Nacional


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