2016 — Três medidas para uma educação pública mais inclusiva

21 de abril de 2016

A FENPROF realizou hoje de manhã uma conferência de Imprensa na qual apresentou um estudo sobre a realidade que vivem os alunos com necessidades educativas especiais (NEE), que resultou de um levantamento feito junto dos professores e das direções das escolas. 

A FENPROF viu a realidade que vivem os alunos com necessidades educativas especiais (NEE), aprofundando o seu conhecimento através de levantamento que fez junto dos professores e das direções das escolas. A FENPROF leu também o documento divulgado pelo CNE sobre a constituição de turmas, onde se dedica um largo espaço às que incluem alunos com NEE, e leu as estatísticas divulgadas pela DGEEC. A FENPROF ouviu ainda as declarações de responsáveis governativos que pretendem limitar ainda mais a redução das turmas que integram alunos com NEE, mas dizem fazê-lo em nome da inclusão…

...Na sequência do que viu, ouviu e leu, a FENPROF apresentou, na manhã desta quinta-feira, 21 de abril, em conferência de Imprensa, um estudo sobre a realidade que vivem os alunos com necessidades educativas especiais (NEE), que resultou de um levantamento feito junto dos professores e das direções das escolas, analisando também os dados divulgados por outras entidades (CNE e DGEEC) e tornando públicas as iniciativas que desenvolverá para ainda tentar travar a medida negativa imposta pelo despacho normativo sobre constituição de turmas que impede a redução da turma em algumas disciplinas, bem como nas situações em que os alunos apresentam problemas de maior complexidade, isto é, só permite a redução quando o aluno permanecer mais de 60% do tempo com os seus colegas.

A FENPROF não se limita à crítica e, em vésperas de reunir com ME (em encontro formal de negociação sobre a organização do próximo ano letivo) torna públicas as propostas que apresentará para tornar mais inclusiva a educação pública. 

______________________________

No início do presente ano letivo, a FENPROF divulgou um estudo sobre algumas questões relativas à Educação Especial (EE). Face aos preocupantes indícios detetados, apontando para graves insuficiências de resposta, tanto ao nível dos recursos, como, em alguns casos, da sua qualificação, a FENPROF decidiu, tendo anunciado na altura, aprofundar esse estudo a meio do ano letivo, dando assim algum tempo para que os problemas fossem solucionados. Pelo que a seguir se descreve, no essencial, os problemas mantêm-se e, embora não tenha sido o atual governo a criá-los, compete-lhe agora tomar medidas que revertam a situação existente já a partir do início do próximo ano letivo.

A marcação de duas reuniões com o Ministério da Educação, em 26 de abril, com a presença do Ministro, para abordagem de diversos problemas, e em 3 de maio para negociação, entre outros aspetos, das normas de organização do ano letivo que se aproxima, levaram a FENPROF a divulgar, agora, as conclusões do seu estudo.

Para este levantamento, efetuado em todo o território nacional, a FENPROF constituiu uma amostra que englobasse ¼ do total de escolas e agrupamentos, com a sua distribuição proporcional de acordo com a tipologia de cada unidade e a sua localização geográfica. Assim, o estudo abrangeu 214 escolas e agrupamentos, ou seja, um total de 26% dos existentes.

 Os dados que agora se divulgam referem-se exclusivamente ao território continental e, para fundamentar as apreciações que apresenta e confirmar as situações detetadas, a FENPROF recorreu também a outros dados, recentemente e em boa hora, conhecidos: o estudo sobre as turmas, divulgado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e os dados estatísticos, já referentes ao presente ano letivo, divulgados pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

 

UMA TAXA DE INCIDÊNCIA AQUÉM DA REAL

 

O estudo realizado aponta para uma taxa de incidência de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) de 6%, confirmando-se o valor de levantamentos anteriores e também assinalado em outros estudos realizados. Esta taxa é superior à que, em 2008, o governo pretendia atingir com a aplicação exclusiva da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade da Organização Mundial de Saúde), aplicada através do Decreto-Lei n.º 3/2008, pois o Ministério da Educação pretendia, na altura, que as escolas fixassem uma taxa artificial de incidência de 1,8%. Porém, relativamente aos 6% agora confirmados, fica-se aquém dos valores que a Sociedade Portuguesa de Pedopsiquiatria tem vindo a dar como real: entre 8 e 10%.

Olhando para os dados estatísticos da DGEEC, 87% dos alunos com NEE (68.608) frequentam escolas públicas, o que é um dado bastante positivo. A questão agora é saber quais as condições que estas oferecem aos alunos para que possa falar-se em inclusão. É que a inclusão não se pode esgotar no portão da escola, por onde todos entram. Muitas vezes, apesar das instalações comuns, estes alunos são remetidos para turmas “especiais” (por exemplo, vocacionais) ou unidades especializadas onde permanecem quase todo o seu tempo letivo. O estudo da DGEEC vem confirmar esta preocupação, pois apura que 72% dos alunos com NEE estão menos de 60% do tempo letivo nas turmas ditas regulares, juntamente com os seus colegas, sendo desejável que se altere esta situação.

 

TURMAS SOBREDIMENSIONADAS: O PRINCIPAL PROBLEMA NA CONSTITUIÇÃO DAS TURMAS, POR NORMA,
DEVIDO A IMPOSIÇÕES DA DGEstE NO PROCESSO DE HOMOLOGAÇÃO DAS TURMAS

 

Pelo estudo que a FENPROF agora realizou, 20% das turmas (2.669 turmas) que integram alunos com NEE têm mais de 20 alunos, o que contraria os normativos em vigor. Se admitirmos que estas turmas, em média, têm 22 alunos, teremos que, no total, só aqui, há 58.718 alunos que frequentam turmas ilegalmente constituídas (se a média for de 25 alunos, então o número sobe para 66.725 alunos no total). O estudo divulgado pelo CNE confirma estes dados ao reconhecer que em todos os níveis de educação e ensino (da Educação Pré-Escolar ao Ensino Secundário, neste caso somente nos cursos profissionais, pois a lei não contempla a possibilidade de redução de turma nos cursos científico-humanísticos) a percentagem de turmas que integram alunos com NEE, mas que têm mais de 20 alunos, é superior a qualquer outra irregularidade verificada na constituição das turmas: Pré-Escolar – 2,6%; 1º Ciclo – 14,5%; 2º Ciclo – 12,7%; 3º Ciclo – 11%; Ensino Secundário (apenas cursos profissionais) – 6,4%.

Ainda em relação à da medida “turma reduzida”, no estudo da FENPROF é referido pelas escolas que 8,3% dos alunos com NEE (1.484) têm esta medida prevista no Programa Educativo Individual (PEI), mas não beneficiam dela. Constata-se também que 3,8% desses alunos (688) não estão em turmas reduzidas porque, apesar de no seu PEI a medida estar contemplada, as direções das escolas decidiram que a mesma não se justificava, o que é, no mínimo, um ato de ingerência em decisões de ordem pedagógica.

Lacuna grave da legislação é a não consideração da medida “turma reduzida” nos cursos cientifico-humanísticos do ensino secundário. Por essa razão, o documento do CNE ignora estas turmas do secundário que integram alunos com NEE. Porém, a FENPROF apurou, no seu estudo, que há pelo menos 6,4% de alunos com NEE (1.141) a frequentar cursos científico-humanísticos no ensino secundário. Todos eles em turmas de grande dimensão.

 

ALUNOS PASSAM GRANDE PARTE DO SEU TEMPO LETIVO EM UNIDADES ESPECIALIZADAS,
BOA PARTE DAS QUAIS SEM AS CONDIÇÕES ADEQUADAS

 

Dos 214 agrupamentos e escolas que integram a amostra adotada pela FENPROF no seu estudo, 55% têm unidades especializadas (Unidade de ensino estruturado para alunos com perturbações do espetro do autismo e Unidades de apoio especializado para alunos com multideficiência e surdocegueira congénita), a maior parte das quais são as dirigidas aos alunos com multideficiência e surdocegueira congénita.

Do número total de agrupamentos e escolas em que existem unidades, 57% referem que nem todos os alunos apoiados nas unidades se enquadram na sua tipologia. Além disso, 55% referem que as instalações destas unidades ficam aquém, em dimensão e condições, do que seria necessário.

Quer as unidades de ensino estruturado do autismo, quer as unidades de multideficiência, são frequentadas por um número de alunos que é sempre superior àquele para que foram projetadas.

Dos 214 agrupamentos e escolas não agrupadas desta amostra, 23,5% são escolas de referência, principalmente para a Intervenção Precoce – IP (16,5%). Os 928 alunos que, aqui, são apoiados pela IP contam com 101 docentes. Na estatística divulgada pela DGEEC é referido que o número de docentes colocados na IP diminuiu em cerca de 12,2 %. Nesses dados não há qualquer referência ao número de alunos, mas no recente Congresso da ANIP (realizado no início do corrente mês de abril, em Lisboa), foi divulgado que o número de crianças apoiadas quase triplicou…

 

PRECARIEDADE E RECURSO A DOCENTES DE OUTROS GRUPOS MARCA TAMBÉM
A SITUAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

 

Dos 1.503 docentes de Educação Especial constantes do estudo da FENPROF (grupo 910: 1443; grupo 920: 45; grupo 930: 15), 24,5% são contratados a prazo (contratação inicial, reserva de recrutamento, BCE ou oferta de escola). É, pois, elevado o nível de precariedade dos docentes de EE, quase duplicando em relação à média nacional do conjunto dos grupos de recrutamento, que se situa nos 13,4%.

Para além do problema de precariedade que afeta tantos destes docentes, há ainda outro: O recurso a docentes de outros grupos de recrutamento para exercício de atividade na EE, atingindo 11,5% do total. Muitos destes docentes não têm formação adequada. Isto acontece porque a carência de docentes de EE nas escolas obriga as suas direções a recorrerem a professores de outros grupos de recrutamento, algo impensável para outras disciplinas ou áreas de atividades.

Não obstante este recurso a docentes com vínculos precários e a professores de outros grupos de recrutamento, as direções das escolas continuam a referir como insuficiente o número de docentes de EE para dar resposta ao número referenciado de alunos com NEE. Só no estudo da FENPROF, nos 214 agrupamentos e escolas considerados, as respetivas direções afirmam faltar, no conjunto, cerca de 250 docentes de EE.

 

FALTAM TAMBÉM OUTROS PROFISSIONAIS ÀS ESCOLAS E, NO CASO DOS ASSISTENTES OPERACIONAIS,
QUASE 90% NÃO TEM FORMAÇÃO ADEQUADA

Dos 1.557 assistentes operacionais existentes nos 214 agrupamentos, apenas 12,3% (170) têm formação adequada para trabalhar com alunos com NEE. Os restantes 1.387 não têm qualquer formação e um grande número nem sequer tem experiência neste tipo de atividade. Outro número assustador tem a ver com o rácio de alunos com NEE por assistente operacional: 105. Acresce que estes assistentes operacionais, nas escolas, não se dedicam apenas a acompanhar os alunos com NEE, mas toda a comunidade estudantil, o que significa dar apoio e acompanhar qualquer coisa como 301.223 alunos (número total de alunos da amostra considerada).

 

OUTROS PROFISSIONAIS SÃO, MAIORITARIAMENTE, EXTERIORES ÀS ESCOLAS
E OS SEUS HORÁRIOS DE TRABALHO SÃO INCOMPORTÁVEIS

 

Dos restantes profissionais (terapeutas, psicólogos, assistentes sociais, por exemplo), a grande maioria (62%) não pertence às escolas ou agrupamentos em que exercem atividade. Em determinadas áreas são praticamente todos exteriores às escolas (92% dos Terapeutas Ocupacionais: dos 118 apenas 10 pertencem às escolas; 84% dos Fisioterapeutas; 74% dos Terapeutas da Fala). Por esta razão, mas também por motivos que vão além deste problema, as escolas referem como aspeto negativo a falta de articulação entre os profissionais por falta de tempos comuns para o efeito.

Segundo os dados da DGEEC, o número de técnicos nas escolas públicas diminuiu, mas, em contrapartida, aumentou o número de técnicos provenientes dos chamados Centros de Recursos para a Inclusão (CRI), isto é, exteriores às escolas. Aquela estatística refere que houve um aumento do número de horas de apoio, embora ainda continuando a ser insuficiente, se tivermos em conta as necessidades reais das escolas. Além disso, esse aumento do tempo de apoio deveu-se, não à admissão de mais profissionais, mas à sobrecarga de trabalho dos existentes, com alguns a trabalharem 50 horas semanais.

 

AS PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES MANIFESTADAS PELAS ESCOLAS

 

As direções dos agrupamentos e escolas não agrupadas, tendo sido solicitadas, referem as suas principais preocupações que correspondem a problemas que pretendem ver resolvidos, sob pena de a inclusão continuar a ser pouco mais que uma ilusão:

- Número excessivo de alunos por turma;

- Lista de alunos sinalizados para a EE a que não dão resposta por falta de meios;

- Desfasamento do que é proposto pelas escolas e aprovado superiormente pelas estruturas da DGEstE;

- Técnicos só para apoio às unidades (não ao trabalho na turma) e com horas insuficientes;

- Colocação tardia e em número insuficiente de docentes de EE e assistentes operacionais;

- Colocação de assistentes operacionais para dar apoio aos alunos com NEE, com base em critérios gerais que não têm em conta a formação específica indispensável ao trabalho com estes alunos;

- Encaminhamento direto, de acordo com o DL 3/2008, de alguns alunos para Currículo Específico Individual (CEI);

- Dificuldades criadas pelo facto de os técnicos não pertencerem aos quadros dos agrupamentos e escolas não agrupadas;

- Necessidade de dar apoio a alunos que não estão abrangidos pela EE (DL 3/2008), mas apresentam dificuldades diversas e necessidades especiais;

- Não aplicação da medida turma reduzida nos cursos científico-humanísticos do ensino secundário quando integram alunos com NEE;

- A portaria 201-C/2015 retirar qualidade ao ensino oferecido aos alunos com NEE;

- Insuficiência de instituições ou empresas disponíveis para a concretização dos Planos Individuais de Transição dos alunos.

 

TRÊS MEDIDAS URGENTES

 

A FENPROF reafirma a necessidade de investir na Educação, o que inclui a criação de melhores condições para garantir a plena Inclusão dos alunos. Nesse sentido, considera indispensáveis as seguintes medidas:

- Aplicação da medida “turma reduzida” em todas as turmas que integrem alunos com NEE devidamente referenciados, incluindo as dos cursos científico-humanísticos do ensino secundário e independentemente do tempo que os alunos permaneçam na turma;

- Colocação de docentes de Educação Especial, técnicos e assistentes operacionais, respeitando as necessidades reais dos agrupamentos / escolas e com a adequada formação;

- Dotação dos agrupamentos / escolas de equipas multidisciplinares, salvaguardando a continuidade pedagógica de todos os profissionais (docentes e técnicos).

 

NOTA FINAL

 

A FENPROF apoia a declarada intenção do ME, de garantir que todos os alunos com NEE frequentem as turmas em pelo menos 60% do seu tempo letivo. Porém, como tem vindo a ser declarado pela mais diversas organizações e entidades, incluindo a FENPROF, isso implica um esforço grande de investimento, sobretudo no que se refere à colocação de recursos humanos, e não apenas. Um investimento que se saúda, mas, no entanto, não se vislumbra, por exemplo, no OE para 2016 que terá ainda implicação no arranque e primeiro período do próximo ano letivo.

Ainda assim, a FENPROF considera que esse esforço deverá ser feito e, nesse sentido, proporá ao ME, na reunião que se realizará no próximo dia 26 de abril, a realização de um levantamento rigoroso junto das escolas, das necessidades existentes com vista a permitir, como prevê o Despacho Normativo n.º 1-H/2016, de 14 de abril, que todos os alunos permaneçam, pelo menos, 60% do tempo letivo nas suas turmas. Tal levantamento deverá estar concluído até meados de junho, de forma a que em 1 de setembro de 2016 as escolas possam iniciar o ano escolar em condições de responder positivamente àquele desiderato.

O desafio é grande. Repare-se, segundo a DGEEC, este ano letivo há, nas escolas, 10.331 alunos com NEE, que têm Currículo Específico Individual (CEI) ou que frequentam uma unidade especializada.

Destes, apenas 28% (2.887) estão hoje 60% ou mais nas suas turmas. Isto é, o ME terá de criar condições para que os restantes 72% (7.444 alunos) passem a ter, igualmente, uma presença de, pelo menos, 60%.

Destes, 5.354 (ou seja, 51,8%) têm mesmo uma permanência que é inferior a 40%. E a questão final que se coloca é a seguinte: se as escolas não reunirem condições para que todos os alunos permaneçam pelo menos 60% do tempo letivo na turma, que tipo de inclusão poderá existir em turmas com 30 alunos que integram um ou dois com NEE, neste caso, apresentando dificuldades particularmente complexas?

Na reunião que se realizará no próximo dia 26 de abril, a FENPROF colocará esta questão ao Ministro da Educação. Depois disso, e porque o problema é de fundo, FENPROF, CNOD e APD irão solicitar uma reunião conjunta ao ME para discutir o modelo de Educação Especial para o futuro, no sentido de as escolas respeitarem integralmente os princípios da Educação Inclusiva.

 

Lisboa, 21 de abril de 2016
O Secretariado Nacional da FENPROF

Tags

Partilha