Educação ao longo da vida (9.º congresso da Fenprof)

Este texto é parte integrante do Documento elaborado pelo Secretariado Nacional da FENPROF - Dar MESMO prioridade à Educação, Prestigiar a Escola e a Profissão Docente

 

disponível no site da FENPROF (IX Congresso)

 

C. Educação ao Longo da Vida

175. No 8º Congresso ficaram registadas as grandes apreensões dos Professores quanto ao modelo de desenvolvimento do Ensino Recorrente e quanto à perspectiva que se adivinhava de novas concepções a introduzir na Lei de Bases da Educação, no que dizia respeito, quer a este subsistema de ensino, quer a uma política pública de Educação de Adultos. As medidas aprovadas pelos governos, desde essa altura, vieram confirmar os receios da FENPROF. A de mais longo alcance foi apresentada pelo Pri­meiro-Ministro José Sócrates, no Debate Mensal na Assembleia da República, realizado em meados de Setembro, a Iniciativa Novas Oportunidades, enquanto tentativa de resposta ao desafio recorrente da qualificação dos portugueses, consi­derado aí como "o problema crítico para a competitividade" do país.

176. Mais recentemente, também o Primeiro-Ministro na apresentação do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e a Ministra da Educação na apresentação das 50 medidas de política (que diz) para melhorar a escola pública, voltaram a anunciar o referido programa.

177. Fala-se de indicadores e referem-se números, revelando que estes últimos "não enganam" e aqueles reflectem a "dimensão do desafio que temos à nossa frente". Afirma-se, convincentemente, a necessidade de "uma nova ruptura mobi­lizadora", fazendo diferente, mais e mais rápido, no que à "batalha da qualificação" diz respeito.

178. Anuncia-se que (até 2010) vão triplicar os níveis do 9º e 12º anos, a oferta de cursos técnicos e profissionais para a educação e formação de adultos, multiplicar por cinco a actual rede dos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (400 novos centros RVCC) e, de imediato, "alargar até ao nível do 12º ano o processo de reconhecimento de competências adquiridas ao longo da vida. Estabelece-se a meta de 650.000 novas certificações.

 179. Sem negar a relevância de instituir metas para os níveis de qualificação dos portugueses, importará referir que este discurso político se contextualiza no que sobre a Educação se tem afirmado, ao longo de vários anos, desde o chavão da qualidade do 2º ciclo da governação cavaquista, até à paixão pela educação de Guterres, com os resultados conhecidos: as maiores taxas de abandono da Europa, as menores taxas de frequência e de conclusão de estudos e de qualificação da população activa. Para dar mesmo prioridade à Educação, importará alterar esta triste realidade.

180. A FENPROF enunciou, pelo menos desde o último Congresso, duas questões fundamentais: evitar que os jovens aban­donem a escola (com a fasquia no 12º ano) e melhorar a educação e formação dos adultos. O Governo, através da Iniciativa Novas Oportunidades, propõe-se contribuir para melhorar efectivamente as quali­ficações dos portugueses. Algumas questões se levantam desde já. Onde está o sistema de acompanhamento e avaliação das ofertas até agora realizadas? As metas de 2005 e 2006 foram cumpridas? Com que sistema de verificação de resultados? A ausência de resposta a estas questões alimenta as especulações que se fazem sobre a quali­dade das várias ofertas, de que estas medidas mais não visarão do que provi­denciar, artificialmente, indicadores de aumento das qualificações, considerando as metas instituídas como irrealistas ou, pior, mera propaganda!

181. Recorde-se que os centros RVCC e os respectivos processos de certificação foram criados no ". sentido de acolher e orientar os adultos maiores de 18 anos (.) para processos de reconhecimento, valida­ção e certificação de competências, tendo em vista a melhoria dos seus níveis de certificação escolar e de qualificação profissional, bem como para a continuação de processos subsequentes de formação contínua, numa perspectiva de apren­dizagem ao longo da vida".

182. Reconhecendo as potencialidades do processo RVCC, a FENPROF defendeu, desde o início, a manutenção do Ensino Recorrente nos Ensinos Básico e Secundário, com as necessárias correcções.

 183. Mas, mais uma vez, o ME, noutro furor reformista, no final do ano lectivo passado extinguiu abruptamente o Ensino Recorrente ao nível do Ensino Básico, na quase totalidade das escolas, sem qualquer negociação com as estruturas sindicais, sem discussão com os agentes educativos envolvidos, de uma maneira apressada, sem período transitório, sem acautelamento dos interesses dos jovens e adultos que frequentavam esta modalidade e esque­cendo os direitos profissionais dos docentes envolvidos. Não teve em conta que a aprendizagem escolar e a valorização da aprendizagem da e pela vida são, inevitavel­mente, processos distintos, mas ambos de relevante importância, tendo na sua complementaridade maior significado, enquanto resposta à heterogeneidade da população jovem e adulta.

184. Neste momento aguarda-se com preocupação a extensão do modelo RVCC ao ensino secundário, dado o actual reconhecimento escolar para prosse­guimento posterior de estudos. Tanto mais que a clivagem existente entre uma lógica assente nas competências e uma outra assente nos saberes escolares, marca­damente académicos, formais e disci­plinares, poderá constituir um obstáculo sério à concretização de posteriores certificações escolares e, como tal, um obstáculo ao desenvolvimento de projectos pessoais e profissionais dos adultos.

185. Este processo, mais do que um modelo de certificação de adquiridos, deve ser entendido no seu horizonte como um projecto de educação permanente, alicer­çado na construção da identidade de cada um, no desenvolvimento da cidadania e na capacidade de aprender ao longo da vida, para uma real promoção pessoal e social numa economia e numa sociedade mais solidárias.

186. A democratização da Educação e da Cultura, condição necessária à coesão social, apresenta óbvias lacunas e indes­mentíveis fraquezas. A ausência de políticas integradas e as dificuldades no âmbito da dimensão social da Educação e do Ensino, quer na criação de condições de efectiva aprendizagem dos que são culturalmente desfavorecidos, quer em assegurar o êxito dos que entram na escola sem as disposições necessárias para valorizar o que lá se ensina e aprende, constituem algumas das razões de forte poder explicativo para o drama dos graves percursos de exclusão educativa e profissional.

187. Não há um consenso generalizado sobre o fenómeno da educação e da formação cuja tradução reflecte uma intensa sobredeterminação dos seus problemas a uma lógica de mercado. Como referiu Rui Canário, num seminário orga­nizado pelo Conselho Nacional de Educação, dedicado à educação e formação ao longo da vida, é necessário construir um pensa­mento prospectivo e estratégico em relação à educação, evoluindo de uma concepção de "aprender para trabalhar" para uma outra concepção de""aprender pelo tra­balho". O argumento sugere em si a transposição da visão funcionalista e utilitarista dominante para um olhar indagador que dê nova vida a um projecto necessário e desejável de educação permanente.

188. Esta linha argumentativa foi também desenvolvida por Licínio Lima no Encontro de  Educação de Adultos, realizado pela FENPROF em 26 de Novembro de 2004. Reclamou uma visão integrada e global da Educação de Adultos e a necessidade de a individualizar no Sistema Educativo Portu­guês. Criticou as políticas educativas dos últimos anos, considerando-as como paradoxos (a própria referência à educação de adultos nos articulados deixou de existir). Questionando aquilo que é considerado um modelo neoliberal da educação de adultos sustentado num "novo" conceito - o da Aprendizagem, que se opõe ao "velho" conceito - o da Educação, no paradigma da formação profissional ou da formação-"vocacional", na lógica da "emprega­bilidade", na adaptação ao mercado de trabalho.

189. Para que os grandes problemas sócio-educativos do país possam ser encarados frontalmente, na perseguição do bem comum e de modo a serem ultra­passados o mais rapidamente possível, a FENPROF exige:

- Um conceito de educação de adultos que não se restrinja à formação para sustentáculo do mercado de trabalho (tão caro às políticas neoliberais), que assente em políticas públicas em que a escola tenha um papel fundamental. Políticas públicas essas que não deixem esquecidas as vertentes de educação popular, a eliminação do analfabetismo literal, e os problemas dos novos imigrantes;

- A implementação de um sistema de promoção e acompanhamento das várias ofertas educativas que possibilite avaliar as dificuldades, corrigir estratégias, verificar os resultados, no sentido de uma verdadeira conferência da qualidade - que a nova Lei Orgânica do ME veio eliminar;

- A reforma do actual processo de Acreditação de Entidades Formadoras, sujeitando-as a um rigoroso sistema de avaliação e certificação de qualidade;

- O alargamento substancial das possibilidades de formação em horário pós-laboral, tendo em vista privilegiar o acesso à população empregada;

- A reposição do Ensino Recorrente no Ensino Básico, com o sistema modular experimentado nos últimos anos;

- A revisão e melhoramento do funcio­namento das várias modalidades (sistema RVCC, Cursos EFA; E. Recorrente .) caminhando no sentido da articulação entre elas;

- Uma efectiva permeabilidade das várias ofertas de Educação de Adultos permitindo a escolha da oferta mais adequada às diversas intenções e aos vários momentos em que os jovens e adultos resolvem voltar a estudar;

- Um plano de organização educativa e de gestão pedagógica que responda às novas valências, em que as estruturas fun­cionais adquiram uma flexibilidade su­portada numa progressiva colegialidade;

- A garantia das condições de trabalho que estas modalidades de ensino exigem, designadamente o trabalho de acom­panhamento, coordenação e regulação e de formação que implicam tempo acrescido, estruturas adicionais e grupos/turma de dimensão adequada;

- O acautelar dos direitos profissionais dos docentes na construção dos horários lectivos semanais, face às novas exigências;

- Um investimento forte na formação pedagógica e científica dos professores.

190. É também necessário por fim a aposta dos últimos anos em modelos avulsos e experiências inconsequentes, bem como a importação de sistemas, rapida­mente generalizados entre nós, que em nada se adequam à realidade portuguesa.

191. As soluções deverão ter coerência política, com interligação entre elas, sustentadas em metas realistas, com a preocupação de uma verdadeira qualifi­cação dos portugueses que substitua a mera lógica da certificação.

192. Para que o RVCC, os cursos EFA, o Ensino Recorrente, etc, possam acrescentar mais valia no domínio das qualificações dos portugueses, factor necessário mas não suficiente para o desenvolvimento do país, no sentido de uma real promoção pessoal e social, numa economia e numa sociedade mais solidárias, impõe-se um debate político generalizado sobre as questões levantadas e, sobretudo, trabalhar com as equipas de profissionais que no terreno vivem e sentem estes problemas. Das suas experiências, práticas e reflexões, muita informação pode ser recolhida e trabalhada. Problematizar os processos e os meios de trabalho e iden­tificar as questões críticas por eles colo­cadas permitirá, aos políticos e responsáveis da administração educativa e formativa, entrever os caminhos possíveis da criação das condições mais propícias à concre­tização de uma aprendizagem para todos e ao longo da vida.

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