A Fenprof e a autodeterminação e expressão de género

18 de janeiro, 2024

Transcrição, na íntegra, do parecer da Fenprof sobre a regulamentação, na Educação, da lei sobre o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género

A propósito da regulamentação, na Educação, da lei sobre o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género

A regulamentação para a Educação da lei sobre o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género tem dado lugar a uma enorme discussão, como se estivesse ali o cerne dos problemas da Educação em Portugal.

Os problemas vividos na Educação resultam do subfinanciamento a que tem estado sujeita e de políticas que a têm fragilizado, com particular expressão na Escola Pública e nas condições de trabalho e de carreira dos seus profissionais.

Não podem, contudo, ser ignorados outros problemas que afetam a comunidade escolar, e a autodeterminação da identidade de género e expressão de género é um deles. Como vários estudos realizados internacionalmente têm demonstrado, “a discriminação na educação continua a afetar as vidas de crianças, jovens, professores, investigadores e profissionais de apoio à educação que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, trans ou intersexuais”, sabendo-se igualmente que “a discriminação, a vitimização e o ódio contra as pessoas LGBTI têm um impacto profundo, duradouro e adverso na saúde, no bem-estar, nas carreiras e nas oportunidades de vida dos professores e dos estudantes”.[i]

Em 2016, o primeiro Relatório Global das Nações Unidas sobre a natureza, alcance e impacto na violência baseada na orientação sexual e na identidade/expressão de género em contextos educativos reportava que “cerca de 85% dos estudantes lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT), em alguns países, são vítimas de violência, incluindo o bullying, na escola, tal como os estudantes que não são LGBT, mas que são vistos como não conformes às normas de género também são alvo de violência.”[ii]

Em 2017, assinalando o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, uma declaração conjunta do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas e de, entre outros, vários peritos independentes, reafirmava que “as crianças e os adolescentes transgénero e com diversidade de género são também mais vulneráveis à violência relacionada com a escola (bullying) e à exclusão na sala de aula, nos recreios, nas casas de banho e nos balneários, no caminho para e da escola, bem como na internet (cyberbullying)”. Neste contexto, apelava aos Estados “para que adotem e apliquem medidas eficazes que proíbam a violência, leis antidiscriminação que abranjam a identidade e a expressão de género - real ou percebida - bem como a orientação sexual como motivos proibidos de discriminação, para que desenvolvam currículos e materiais didáticos inclusivos, formação e apoio aos professores e outro pessoal escolar, programas de educação e apoio aos pais, acesso seguro e não discriminatório às casas de banho e programas de sensibilização que fomentem o respeito e a compreensão da diversidade de género”[iii].

Defendendo respostas abrangentes do sector da educação, também a UNESCO lembra que a prevenção e a abordagem da violência homofóbica e transfóbica em contextos educativos são fundamentais para garantir que os ambientes de aprendizagem sejam seguros, inclusivos e de apoio para todos, sendo ainda condição para a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, garantindo o direito a um ensino de qualidade para todos os alunos.[iv]

Em Portugal, é sabido que há situações de conflito e bullying nas escolas, que resultam de um inaceitável desrespeito pela identidade de género de alunos e de docentes, quantas vezes calados por vergonha, pela burocracia associada à denúncia ou pela sua inutilidade. É, por isso, indispensável que as escolas lidem com estas situações e criem ambientes de sã convivência, promotores de respeito pela diferença.

Reduzir a questão às casas de banho e balneários é caricaturá-la e desvalorizá-la. Misturá-la com resultados menos positivos no âmbito do PISA ou das provas de aferição é demagogia.

Compreende-se que, por razões ideológicas de natureza distinta (política, religiosa ou outra), haja quem se oponha, por vezes ferozmente, à regulamentação de uma lei que é de agosto de 2018 e deveria ter sido regulamentada em 180 dias.

A FENPROF reconhece a delicadeza deste quadro legal, mas considera importante que a Escola não passe ao lado da problemática e que os profissionais da Educação discutam e recebam informação e formação sobre como lidar com a diversidade, seja de que tipo for.

Como lembra o Comité Sindical Europeu da Educação, “sociedades cada vez mais complexas e diversificadas exigem mais esforços para combater todos os tipos de discriminação, a fim de reforçar a igualdade e a diversidade como um valor acrescentado. Estes esforços são especialmente importantes no domínio da educação, uma vez que se trata de um direito humano básico e um bem público que deve ser acessível a todos, independentemente do género, orientação sexual, capacidades e necessidades educativas, estatuto económico, origem étnica, língua, religião, estatuto migratório e de cidadania”.[v]

Subscrevendo a posição da Internacional da Educação, de que a promoção, a proteção e a defesa dos direitos humanos, incluindo a orientação sexual, a identidade de género ou a expressão de género, fazem parte da agenda do movimento sindical docente, e de que as escolas e as instituições do ensino superior desempenham um papel central na educação dos seus alunos, trabalhadores e comunidades contra a homofobia e a transfobia, a FENPROF defende o aprofundamento da discussão sobre medidas inclusivas contra a violência e a discriminação, a par da sensibilização, compreensão, aceitação e respeito pela diversidade de género, em contexto escolar e na sociedade em geral.

A FENPROF considera, por último, que a concretização de medidas que venham a ser tomadas não poderá, como é norma, ficar à responsabilidade exclusiva das escolas, devendo contar com o envolvimento empenhado dos responsáveis do Ministério da Educação, o que raramente acontece, nomeadamente quando está em causa o reforço de recursos.

 

Lisboa, 18 de janeiro de 2024
O Secretariado Nacional da FENPROF

[i] EI Resolution on Securing LGBTI Rights (2019);
[ii] Out In The Open, UNESCO takes on school-related homophobic and transphobic violence (2016) 
[iii] Embrace diversity and protect trans and gender-diverse children and adolescents | OHCHR: “Por ocasião do IDAHOT 2017, recordamos aos Estados a sua obrigação de combater a transfobia, que conduz à violência e à discriminação contra jovens trans e pessoas com diversidade de género, apelamos aos Governos para que abracem a diversidade humana, reflectindo a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, e sublinhamos a necessidade de medidas de implementação holísticas, incluindo leis, políticas e práticas adequadas. Uma análise universal do género, baseada nos direitos, deve abordar as construções sociais, as práticas e os costumes que tendem a reforçar os estereótipos de género.” 
[iv] Expert Consultation on Bullying and Cyberbullying UNESCO’s work to support education sector responses to violence based on sexual orientation and gender identity/expression and other forms of school-related violence. (2016)
[v] ETUCE Statement on EU strategy on the rights of the child (2021-2024): “A questão é especialmente relevante para as crianças LGBTI, que frequentemente enfrentam dificuldades devido a políticas, preconceitos, bullying e discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género. Muitas vezes, estas situações obrigam as crianças LGBTI a esconder a sua identidade ou mesmo a abandonar a escola. A estratégia sobre os direitos da criança deve exigir um compromisso claro dos Estados-Membros para combater a homofobia, a bifobia e a transfobia nas instituições de ensino, nos meios de comunicação social e na sociedade em geral, a fim de garantir que as crianças LGBTI possam usufruir plenamente dos seus direitos e não sejam discriminadas.”


12 de janeiro de 2024

Posição da Fenprof sobre lei da autodeterminação de género

A regulamentação para a Educação da lei do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género tem dado lugar a uma enorme discussão, como se estivesse ali o cerne dos problemas da Educação em Portugal. A Fenprof está aberta à discussão e considera que medidas que venham a ser tomadas não poderão, como tem sido norma, ficar à responsabilidade exclusiva das escolas, mas contar com o envolvimento empenhado dos responsáveis do Ministério da Educação, o que raramente acontece, nomeadamente no que concerne ao reforço de recursos.

Os problemas vividos na Educação resultam do subfinanciamento a que tem estado sujeita e de políticas que a têm fragilizado, com particular expressão na Escola Pública e nas condições de trabalho e de carreira dos seus profissionais.

Não podem, contudo, ser ignorados outros problemas que afetam a comunidade escolar, e a autodeterminação da identidade de género e expressão de género é um dos que afeta um número de alunos, e também de docentes, que, podendo ser reduzido, existe, tendo estes o direito ao respeito. É reconhecido, por exemplo, a existência de situações de conflito e bullying nas escolas, que resultam de um inaceitável desrespeito pela identidade de género de alunos e de docentes, quantas vezes calados por vergonha, burocratização ou inutilidade da denúncia. É, por isso, indispensável que as escolas lidem com estas situações e criem ambientes de sã convivência, promotores de respeito pela diferença.

No entanto, reduzir a questão às casas de banho e balneários é caricaturá-la e desvalorizá-la. Misturar a questão com resultados menos positivos no âmbito do PISA ou das provas de aferição é pura demagogia. Compreende-se que, por razões ideológicas, de natureza distinta (política, religiosa ou outra) haja quem se oponha, por vezes ferozmente, à regulamentação de uma lei que é de agosto de 2018 e deveria ter sido regulamentada em 180 dias.

A Fenprof reconhece a delicadeza deste quadro legal, mas considera importante que a Escola não passe ao lado da problemática, que os profissionais da Educação discutam e recebam informação e formação sobre como lidar com a problemática e que nas escolas se criem condições respeitadoras da diversidade, seja de que tipo for. A Federação A está aberta à discussão e considera, por último, que medidas que venham a ser tomadas não poderão, como é norma, ficar à responsabilidade exclusiva das escolas, mas contar com o envolvimento empenhado dos responsáveis do Ministério da Educação, o que raramente acontece, nomeadamente no que concerne ao reforço de recursos.

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