Educação de Infância pública: um direito de todas as crianças! (2019)

4 de dezembro de 2019

“Um bom começo vale para toda a vida”, foi este o lema que sustentou o Programa de Expansão da Rede para a Educação Pré-escolar em 1996.  A Fenprof decidiu no seu 13.º Congresso que o ano letivo de 2019/20 seria o ano em defesa da Educação de Infância, por ser sua convicção que a Educação e o processo educativo têm  influência no percurso Individual da criança desde  o seu nascimento. Afirma a Fenprof, que só com a concretização de uma rede nacional de creches públicas que garantam aos pais/encarregados de educação uma oferta gratuita capaz de desenvolver a atividade pedagógica necessária para o melhor desenvolvimento global das crianças dos 0 aos 3 anos, capaz de responder às necessidades das famílias.

Considerando que a oferta pública é aquela que garante uma efetiva igualdade de oportunidades no acesso e na promoção do sucesso ao longo da vida, a Fenprof procedeu a uma análise de dados relativamente à Educação Pré-escolar no sentido de apurar as condições de organização funcionamento tendo por referência as crianças  inscritas mas também à existência de crianças em lista de espera. 

Constata-se que tem existido ao longo dos anos um reduzido investimento do Estado na Educação Pré-escolar

Como é sabido, a Constituição da República Portuguesa afirma que incumbe ao Estado criar um “sistema público e desenvolver o sistema geral da Educação Pré-escolar.” Mas a verdade é que, com a publicação da Lei Quadro da Educação Pré-escolar (lei nº 5/97, de 10 de fevereiro), o Estado entendeu mobilizar outras entidades da sociedade civil, criando uma “rede nacional” para, dessa forma, garantir a propalada expansão da rede de Educação Pré-escolar. A necessidade de regulamentar a referida lei deu origem à publicação do Decreto-Lei n.º 147/97, de 11 de junho. Surge assim a rede nacional para este setor de educação que, para além dos estabelecimentos públicos, passa a considerar  também os  estabelecimentos particulares de solidariedade social, os estabelecimentos privados e outros sem fins lucrativos. Para as instituições privadas de solidariedade social (IPSS)  e outras sem fins lucrativos, ficam previstas ao abrigo deste Decreto-Lei, linhas de crédito bonificado destinadas ao parque escolar. Ora, os benefícios de contratualização direta preveem uma comparticipação financeira mensal por criança para a componente educativa e sócio educativa, no valor de 175,23€,  perfazendo 52,569€  anuais por turma, valor este que pode ainda  ser acrescido da compensação financeira do vencimento das/dos educadoras/es de infância.

Como se não bastasse, para além destas verbas, os encarregados de educação pagam uma mensalidade de acordo com os rendimentos do agregado familiar, que pode atingir valores elevados e muito diferenciados.

“A criação de uma rede única de educação pré-escolar desvaloriza o papel do Estado enquanto promotor direto e introduz alguma fragilidade no direito de acesso das crianças à educação pré-escolar, aproximando-se da ideologia neoliberal da educação, de quase mercado educacional. “ (Emília Vilarinho, 2011)

As IPSS e instituições privadas viram assim, reforçado com esta legislação o seu estatuto de parceiros privilegiados do Estado, tendo-lhes sido facultada  uma oportunidade de expansão que de outra forma não existiria. Ora, nos setores de ensino básico e secundário, isto, e bem, não se verifica. E há ainda um dado curioso, é que a relação público- privado no que respeita ao  número de estabelecimentos parece  mais favorável ao público (61,4%), do que se  compararmos o número de crianças (53%) ou de docentes  (53,1%). Esta diferença é fácil de  explicar: a dimensão dos jardins-de-infância privados, que se  concentram em zonas com maior população, é, por norma, maior. No nosso  entendimento, significa isto que, segundo as prioridades de financiamento explanadas no artigo 23º do  Decreto-lei nº147/97, é por demais  claro que o Estado criou medidas de favorecimento às IPSS, e outros, que se transformaram num “mercado apetecível”, em detrimento da rede pública,  medidas estas que não foram acompanhadas da devida fiscalização por parte do estado.

Relativamente aquilo que se designa como Estatísticas da Educação encontramos dados divulgados pela DGEEC que nos demonstram que, na Educação Pré-escolar, no que respeita a público e privado, não existe uma diferença tão grande como aquela que se verifica nos diversos setores do ensino básico e no ensino secundário. Senão vejamos:

 

 

 

2007/08
2017/18
Diferença

CRIANÇAS

Público

141 854

127 535

-10,0%

Privado

124 304

112 696

-9,3%

Total

266 158

240 231

-9,7%

EDUCADORES

Público

10 319

9 099

-11,8%

Privado

7 363

6 966

-5,4%

 

Total

17 682

16 065

-9,14%

JARDINS-DE-INFÂNCIA

Público

4 675

3 588

-23,3%

Privado

2 172

2 248

+3,4%

 

Total

6 847

5 836

- 14,7%

Deste quadro podemos destacar que:

  1. A distribuição entre público (53%) e  privado (47%) é única no sistema educativo, o que confirma que o Estado, na Educação Pré-escolar, não dá a resposta pública a que está obrigado;
  2. O número de crianças teve uma redução percentualmente semelhante tanto no público como no privado;
  3. No que respeita aos docentes no setor público a redução de docentes, em termos percentuais, mais do que duplicou quando comparamos com os do privado;
  4. Em relação a estabelecimentos, o setor público perdeu mais de 20% dos jardins-de-infância enquanto o privado até cresceu.

Destes números pode retirar-se a ilação de que o Estado não cumpre o preceito constitucional que impõe a existência de uma rede pública de estabelecimentos, que garanta o direito de frequência a todas as crianças em idade pré-escolar e uma resposta às necessidades das famílias.

Constata-se que no ensino básico e secundário, a relação da frequência de alunos entre o setor público e o privado é na ordem de 88/90% / 10/12%, enquanto que na Educação Pré-escolar, esta relação é de quase 50% / 50%.

Consultando os dados PORDATA, relativamente à oferta de público e privado por concelho, facilmente se observa a insuficiente resposta da rede pública por ausência de investimento dos sucessivos governos. Disso são exemplo os grandes centros urbanos como Lisboa, Porto e Braga, entre outros, cujos números não deixam mentir. As assimetrias de investimento na rede pública são evidentes. Esta situação é tão mais incompreensível e preocupante quando se verifica que é nas zonas de maior densidade  populacional, urbanas de média e grande dimensão, que a rede pública é insuficiente. 

As autarquias desempenharam um importantíssimo papel no desenvolvimento e expansão da rede pública de jardins-de-infância a concretizando a abertura de muitas novas salas. A existência  de uma componente social de apoio às famílias nestes jardins-de-infância concretizou-se através do protocolo tripartido estabelecido em 1998 entre o Ministério da Educação, o Ministério da Solidariedade e Segurança Social e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Por esse e outros motivos consideramos incompreensível que o Estado continue a investir financiamento em soluções que retiram às crianças a possibilidade de ingressarem em jardins-de-infância da rede pública, numa altura em que já foi assumida a universalidade da oferta para as crianças de 3 e 4 anos. 

Acresce a isto o facto de o Estado estar a desperdiçar os seus recursos humanos e físicos em prol do financiamento a instituições privadas pois estas construíram o seu edificado com fundos públicos e comunitários quando a autarquia havia criado estabelecimentos públicos que dariam a resposta necessária, situações mais visíveis nas zonas de interior. É óbvio para nós a existência de um duplo financiamento.

Uma última referência: recentemente foi divulgado um estudo relativo ao tempo de permanência das crianças em idade de frequência na Educação Pré-escolar. Este estudo comparativo da OCDE demonstra que em Portugal uma larga maioria das crianças permanece 10 a 12 horas diárias no estabelecimento de educação. A Fenprof sempre defendeu que isto não poderia ser acontecer sem a garantia da criação de condições logísticas em termos de equipamentos e recursos humanos que garantissem a salvaguarda do maior interesse da criança. A Fenprof reafirma que não é aceitável que uma sociedade não se organize no sentido de proteger as crianças e suas famílias e, por isso, e por isso exige que o governo altere as leis laborais de forma a reduzir os horários de trabalho e garantir que as famílias possam dispor de tempo de qualidade para as suas crianças. A escola é um espaço de aprendizagem e de fruição.

O ME, ao longo da última legislatura, não respondeu às várias solicitações da Fenprof para discutir matérias relativas à Educação Pré-escolar. 

A Educação Pré-escolar pública e de qualidade é um direito de todos!

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