Contra os Cortes Orçamentais

Sindicato dos Professores do Norte / FENPROF

Comunicado  do Departamento do Ensino Superior da FENPROF

Contra os Cortes Orçamentais. Pela Qualidade do Ensino e da Investigação. Pela Estabilidade de Emprego no Ensino Superior

A FENPROF tem vindo a realizar reuniões com Reitores de Universidades e com Presidentes de Politécnicos, com vista a melhor avaliar as dificuldades que resultam para as instituições e, em particular, para a situação profissional dos docentes, da política desenvolvida pelo Governo para o Ensino Superior, tanto no que se refere aos cortes nos orçamentos de funcionamento (de 2002 e para 2003) e de investimento (PIDDAC), para 2003, como relativamente à não aprovação de cursos e às restrições na fixação do número de vagas de ingresso.

O Departamento do Ensino Superior da FENPROF analisou a situação tendo em consideração os contactos realizados e apresenta de seguida as conclusões a que chegou conjuntamente com algumas propostas e iniciativas.

 

I.       Os Cortes Orçamentais e as suas Consequências

I.1. Não transferência dos 2,75% dos aumentos da função pública

A não transferência dos aumentos salariais da função pública relativos a 2002 (mais de 20 milhões de euros) está a pôr em risco o pagamento do subsídio de Natal e dos vencimentos de Dezembro, na maioria das instituições.

A situação mais grave que até ao momento a FENPROF detectou passa-se no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), instituição universitária não integrada numa Universidade, que já solicitou o seu reconhecimento como a quarta Universidade Pública na área metropolitana de Lisboa, mas que continua a aguardar aprovação superior desta sua pretensão.

A não transferência dos 2,75% relativos aos aumentos salariais da função pública, já levou o ISCTE a suspender os pagamentos das mudanças de escalão por antiguidade, a docentes e a não-docentes, e também os relativos a mudanças de categoria, tanto as automáticas (resultantes da obtenção de mestrados e doutoramentos), como as decorrentes de concursos para lugares do quadro, numa clara desobediência à lei, provocada pelo estrangulamento orçamental imposto pelo Governo.

A situação de sub-financiamento em que muitas instituições se encontram tem-nas levado a não proporem ao PRODEP docentes para formação, devido a não poderem dispor dos 25% que constituem a contrapartida financeira a disponibilizar pelas próprias instituições, com graves prejuízos para a qualificação do respectivo corpo docente. Esta situação ocorre por exemplo no Instituto Politécnico de Portalegre.

A FENPROF exige do Governo a imediata transferência das verbas relativas aos 2,75% dos aumentos da função pública, relativos a 2002, até agora adiantados pelas instituições, à custa de verbas destinadas a outras despesas.

A FENPROF encoraja os responsáveis pela gestão das instituições a que não cedam a esta chantagem do Governo, não deixando de realizar as despesas correntes indispensáveis a assegurar um ensino digno e de qualidade, neste arranque de um novo ano lectivo. No caso, mais do que provável, de não haver verba para pagamento de salários, será a altura de se verificar se a promessa do Ministro e do próprio primeiro Ministro de que haverá dinheiro para o funcionamento normal das instituições será cumprida. O grave caso do ISCTE será desde já um teste a esta promessa.

 

I.2. Cortes nos orçamentos de funcionamento para 2003

Esta situação ir-se-á agravar em 2003, pois em muitas instituições o orçamento previsto não chegará sequer para os pagamentos a pessoal, como é o caso, entre outros da Universidade de Coimbra. Na realidade, o Governo pretende atribuir um orçamento global para as Universidades de 707 milhões de euros (sem considerar as novas instituições relativas à saúde e sem a Universidade Aberta), inferior ao que ele próprio prevê que seja gasto em 2002 (714 milhões de euros), ?esquecendo-se? de que, mesmo que não houvesse aumentos na função pública, nem inflação, seriam necessários pelo menos mais 15,5 milhões de euros, a acrescentar àquela estimativa, para pagar as evoluções obrigatórias de carreira: as progressões (mudanças de escalão, por antiguidade) e as promoções (mudanças de categoria devido à obtenção de graus).

Seria, assim, necessário, para o conjunto das Universidades, excluindo a Universidade Aberta e as novas escolas da área da saúde, um total mínimo de cerca de 730 milhões de euros, quantia que corresponde, aproximadamente, às exigências do CRUP e que, curiosamente, se ajusta aos cálculos inicialmente realizados pelo próprio MCES. Este corte representa mais de 3% em termos reais.

A situação no Politécnico é semelhante, sendo neste caso ?esquecidos? os 6 milhões de euros previstos para as evoluções obrigatórias de carreira.

É de notar que os orçamentos pedidos pelo CRUP e pelo CCISP se encontram mais de 20% abaixo dos Orçamentos Padrão, resultantes da aplicação da fórmula de financiamento, o que mostra que as reivindicações sindicais e institucionais não são irrealistas, embora o afastamento relativamente aos Orçamentos Padrão continue a crescer em prejuízo da qualidade e da eficácia do Ensino Superior Público.

A FENPROF apoia os valores mínimos que têm vindo a ser reclamados pelo CRUP e pelo CCISP e continuará a desenvolver todos os esforços no sentido da congregação do empenho de todos os sindicatos de docentes e de não-docentes para conseguir que a Assembleia da República introduza as necessárias alterações ao Orçamento de Estado.

A FENPROF exorta as instituições a tornarem, publicamente, muito claro quais as verbas mínimas que lhes permitirão funcionar em 2003 sem uma redução da qualidade das suas actividades, relativamente a 2002, e a declararem que, sem essas verbas mínimas, se verão obrigadas a interromper o seu funcionamento, a partir do momento em que não possam garantir este seu objectivo. Mais uma vez se verá se a promessa do Ministro e do Primeiro Ministro é para cumprir.

 

I.3. Cortes nos orçamentos de investimento (PIDDAC)

Os cortes de mais de 20% nos orçamentos de investimento vêm inviabilizar vários projectos em curso, designadamente relativos a novos edifícios e respectivo equipamento, quer destinados a fins pedagógicos, em cursos já existentes, quer dedicados a cantinas e residências.

A FENPROF exige que não sejam interrompidos os projectos já iniciados e que não sejam sacrificados os projectos do âmbito da Acção Social Escolar, atendendo à sua importância para a democratização do acesso e da frequência do Ensino Superior.

 

II. As Ameaças de Atrofia e de Privatização do Ensino Superior Público

Ao contrário do que propalou, o Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES) cortou no número de vagas propostas pelas instituições em cursos com procura por parte de candidatos com classificações elevadas (ex.: curso de Direito da Universidade de Lisboa) e não aprovou novos cursos com procura e com saídas previsivelmente asseguradas, ou não lhes fixou vagas, (ex.: nova licenciatura em Cooperação e Desenvolvimento, no ISCTE, que ficou sem vagas, e várias novas licenciaturas, na ESE de Beja, que não foram aprovadas).

Esta atitude, quando conjugada com os cortes orçamentais; com a ameaça de encerrar cursos e instituições, constante da proposta de lei do Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior, indicia que o MCES procura diminuir a responsabilização do Estado para com o Ensino Superior Público.

A redução do número de candidatos ao Ensino Superior deveria, no entender da FENPROF, ser aproveitada para um apoio decidido ao ensino ao longo da vida e para o lançamento de cursos de formação pós-secundária, não conferentes de grau, áreas em que o MCES e o Governo se encontram significativamente inactivos. Como exemplo, os cursos de complementos de formação para professores ainda não têm, neste momento, as vagas fixadas, como todos os anos já acontecia. Em contrapartida, as instituições privadas já viram as vagas para esses cursos fixadas pelo MCES.

O proposto nas Grandes Opções do Plano relativamente às notas mínimas indica a intenção de favorecimento do privado, pois abre a porta a que tais classificações mínimas possam ser obtidas mediante provas a realizar pelas próprias instituições, num quadro de total discricionariedade, que prenuncia uma competição desenfreada, um ?vale tudo? para evitar a insolvência.

Esta medida, conjuntamente com a aplicação de critérios ditos de mercado para fixação de vagas no Ensino Superior Público, enquanto se permite ao privado continuar a formar sem limites, pode representar uma via para a privatização crescente do Sistema de Ensino Superior. Na realidade, se o Governo corta na formação de professores no ensino público, a pretexto de não serem necessários mais professores no sistema, o que está muito longe de se encontrar provado, tal equivale a entregar essa tarefa quase exclusivamente ao ensino privado, situação grave para o País e de retorno praticamente impossível.

A FENPROF reclama que o Governo celebre Contratos-Programa ou Contratos de Desenvolvimento, com as instituições públicas que se encontram mais afectadas pela diminuição do número de candidatos ao Ensino Superior, de forma a permitir-lhes aproveitar, da melhor maneira, os recursos materiais e humanos de que dispõem para as tarefas de formação indispensáveis para a recuperação do atraso do País face à média da UE.

A FENPROF exorta as instituições a exercerem a Autonomia num sentido exigente para consigo próprias e para com a tutela, associando-se em iniciativas de cooperação e mobilizando as potencialidades participativas da gestão democrática para a construção e a defesa, junto do MCES, de projectos de desenvolvimento, com vista ao aumento da relevância e da qualidade das respectivas actividades, sem caírem no economicismo estreito, nem na dependência subserviente do mercado, ambos infelizmente tão presentes nos objectivos políticos do actual Governo.

 

III. A Campanha da FENPROF pela Estabilidade de Emprego no Ensino Superior

Esta política governamental, visando reduzir a responsabilização do Estado para com o Ensino Superior, vem pôr em risco os postos de trabalho de muitos docentes que se encontram em situação precária, a suprir necessidades permanentes das suas instituições.

Esta situação é, sobretudo, grave no politécnico público, onde existem muitos docentes na situação de equiparados, em regime de tempo integral ou em dedicação exclusiva, com contratos a prazo, sem quaisquer garantias da sua renovação, por não poderem ter acesso a lugares do quadro. Também os assistentes de carreira do politécnico não têm garantida a renovação dos seus contratos, mesmo quando obtêm as habilitações necessárias para ascenderem à categoria de professor-adjunto.

No ensino universitário público, apesar de existir a garantia da renovação dos contratos a prazo para os assistentes estagiários e assistentes de carreira, e a sua passagem à categoria seguinte, desde que obtenham, respectivamente, o mestrado e o doutoramento, é possível ir para o desemprego, sem direito a uma reclassificação profissional no âmbito da função pública e ainda menos a qualquer subsídio, após mais de 20 anos de serviço. Também no universitário existem docentes, os leitores, que, encontrando-se em regime de tempo integral, com ou sem dedicação exclusiva, se encontram sob a ameaça de desemprego de dois em dois anos.

É, para a FENPROF, inaceitável e inconstitucional que cerca de 70% dos docentes do Ensino Superior Público universitário e politécnico se encontrem com contratos administrativos de provimento a suprir necessidades permanentes do sistema e sem garantias de estabilidade de emprego. Esta é uma situação singular na Administração Pública em que os contratos a prazo se aplicam apenas a necessidades temporárias e se entra definitivamente para os quadros após um ano de estágio.

No Ensino Superior Particular e Cooperativo, a situação é ainda pior, pois os docentes encontram-se sujeitos ao mais completo arbítrio das entidades patronais que realizam cortes unilaterais nas horas lectivas distribuídas, fazem pagamentos à hora contra a entrega de ?recibos verdes? e impõem contratos por um prazo de ano, ou inferior, que ilegalmente consideram poder renovar mais do que duas vezes, sem se sentirem obrigados, como a lei estabelece, a transformá-los em contratos definitivos.

A FENPROF, por isso, lançou uma campanha no sentido de levar os docentes e investigadores que se encontram fora dos quadros a reclamar o seu direito a um lugar de quadro que lhes permita alcançar a estabilidade de emprego na administração pública, ou a estabilidade de emprego na instituição privada em que prestam serviço.

No âmbito desta campanha serão colocados panos e será feita uma afixação de cartazes em todas as instituições, o que revela bem a preocupação com que a FENPROF encara o momento actual.

 

IV. A Manifestação de 16/10 e a Greve de 30/10

Contra esta visão política de curto prazo para o Ensino Superior e para o País, que hipoteca o futuro do seu desenvolvimento, por contribuir para acentuar o atraso, relativamente à média da UE, do nível geral da educação e da formação da população activa, em particular relativamente ao número de licenciados, e

contra os ataques aos direitos dos docentes e dos restantes trabalhadores, traduzidos nas alterações gravosas previstas para o regime de aposentação e também no anteprojecto de código laboral e na proposta de lei de bases da segurança social,

o Departamento do Ensino Superior da FENPROF mobilizará os docentes e os investigadores para as acções já anunciadas pela FENPROF: Manifestação Nacional dos trabalhadores da Administração Pública de 16 de Outubro e greve de 30 de Outubro.

 

Lisboa, 15 de Outubro de 2002

O Departamento do Ensino Superior

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