A queda do governo e as questões educativas

14 de março de 2025

O Presidente da República (PR) promulgou nos últimos dias, ou deverá promulgar nos próximos, vários diplomas legais que passaram por processos negociais que contaram com os contributos da Fenprof. Em alguns, esses contributos foram fundamentais para a correção de insuficiências vertidas nos respetivos diplomas. Ora, a queda do governo e a dissolução da Assembleia da República (AR), com a consequente convocação de eleições antecipadas, não colocam em causa a ação da Fenprof e o que a luta dos educadores e dos professores tem vindo a consquistar.

Sobre os diversos diplomas em causa, apesar de não se conhecer a redação final de cada um, e admitindo que não sofreram alterações em relação à última versão conhecida, a Fenprof tece as seguintes considerações:

 

Recuperação do tempo de serviço

Com a queda do governo, a recuperação do tempo de serviço não está em causa

O mecanismo aprovado, relativamente à recuperação do tempo de serviço (RTS), que consta do Decreto-Lei n.º 48-B/2023, de 25 de julho (DL48-B/2024), é importante para milhares de educadores e professores, não constituindo uma dádiva do governo, mas algo por que os docentes muito lutaram. Foi essa luta que levou os partidos políticos, mesmo os que antes inviabilizaram a RTS, quer no governo, quer na AR, a comprometerem-se com essa recuperação. O mecanismo aprovado não mereceu o acordo da Feenprof que, sem pôr em causa a sua importância, denunciou diversas insuficiências, ao deixar dezenas de milhar de docentes sem recuperarem parte ou a totalidade desse tempo e não permitindo a correção de problemas, como, por exemplo, as ultrapassagens na carreira. Com a queda do governo, a RTS não está em causa, nem poderia estar, pois o decreto-lei não foi revogado, pelo que a luta dos educadores e dos professores continuará pelo alargamento do mecanismo a quem não recupera e, também, pela recuperação dos anos perdidos na transição entre diferentes estruturas de carreira, problema que está na origem das ultrapassagens.

 

Alterações ao DL48-B/2024 — diploma promulgado pelo PR, aguarda publicação no Diário das República

Após a publicação no Diário da República (DR) e entrada em vigor, os docentes poderão beneficiar do regime nele estabelecido.

As alterações introduzidas eram inevitáveis e foram propostas pela Fenprof aquando do processo negocial ordinário. Enquanto a progressão dos docentes decorresse do mecanismo de RTS estes deveriam poder mobilizar avaliação já realizada, observação de aulas já concretizada e horas de formação obtidas após 2018 e não utilizadas em progressões anteriores (sendo apenas exigidas 25 horas por escalão, com exceção do 5.º para o 6.º escalão, em que serão 12,5 horas, sem a exigência de que parte dessas horas seja obtida na dimensão científica e pedagógica). O acordo que diversas organizações deram ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) não acautelou esta possibilidade, só prevendo um regime específico de progressão até ao segundo momento da RTS (1 de julho de 2025). A Fenprof, não assinando aquele acordo, requereu a negociação suplementar e, mesmo depois desta, insistiu junto do MECI no sentido de estender o regime específico até final da RTS. Finalmente, foi reconhecida a justeza e correção da posição defendida pela Federação e acolhida para correção desta insuficiência no decreto-lei. Logo após a publicação e entrada em vigor deste diploma, os docentes poderão beneficiar do regime nele estabelecido, desde que progridam (e enquanto progredirem) com dias decorrentes do mecanismo de RTS.

 

Alterações ao Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio (DL32-A/2023), sobre concursos de pessoal docente (as alterações a este decreto-lei, integram o mesmo diploma legal do assunto anterior)

Após a publicação e entrada em vigor desse diploma legal, os concursos para 2025/26 poderão ser lançados.

O DL32-A/2023 previa, entre outros aspetos que a Fenprof identificou como negativos, a criação de conselhos de diretores em cada QZP para elaboração de horários compostos, com horas a cumprir em duas escolas, que seriam de aceitação obrigatória. Face à ineficácia da medida, o MECI propôs a extinção destes conselhos, atribuindo aos diretores o dever de contactarem com outros do mesmo QZP para a elaboração dos horários compostos, que se mantinham de aceitação obrigatória. Para além disso, o MECI propunha que as reservas de recrutamento se mantivessem só até final de dezembro, passando a contratação, a partir de janeiro, a ser feita diretamente pelas escolas. Previa, ainda, o MECI que, em diversas situações, os docentes tivessem de se candidatar a todas as escolas do seu QZP, bem como às de mais dois contíguos. No final do processo negocial, acabou por cair a obrigatoriedade de elaboração de horários compostos, bem como a da sua aceitação; as reservas de recrutamento manter-se-ão ativas até final do ano letivo; nas situações devidamente identificadas, os educadores e os professores só terão de se candidatar às escolas de mais um QZP, para além daquele que integram. Após a publicação e entrada em vigor deste diploma legal, os concursos para 2025/26 poderão ser lançados.

 

Alterações à habilitação para a docência (ainda do mesmo diploma legal anteriormente referido)

Promulgado pelo PR, aguarda publicação no DR.

Neste caso, não se trata de uma alteração, propriamente dita, mas de uma extensão. Os requisitos para a verificação de habilitação própria, no período “pós-Bolonha”, passaram a ser os créditos horários nas diversas áreas relevantes para o exercício da docência. Com a saída desta nova legislação, deixaram de ser considerados apenas os cursos ditos “pré-Bolonha”, cuja identificação é feita através de lista.

 

Novo regime de mobilidade por doença (MpD)

Após a promulgação pelo PR, e publicado no DR, entrará em vigor com aplicação para o ano de 2025/26.

O novo regime de MpD mantém insuficiências, mas, como a Fenprof afirmou, constitui um avanço face ao que vigora. É disto exemplo, o fim da mobilidade em função de grupos de recrutamento e a possibilidade de “livre mobilidade” quando há impossibilidade de exercer funções docentes ou mesmo, só, letivas. Porém, a manutenção do formato de concurso, a não consideração de doenças incapacitantes que não constam de uma lista com mais de 35 anos e o facto de não se garantir, no mínimo, 10% de vagas nas escolas (com a redação final a admitir que sejam abaixo desses 10%), foram, entre outras, as razões por que a Fenprof não deu o seu acordo ao MECI, reservando-se no direito de continuar a lutar pela correção dos aspetos negativos do regime que irá vigorar. O diploma legal já foi aprovado em conselho de ministros pelo que, após a promulgação pelo PR, entrará em vigor com aplicação para o ano de 2025/26.

 

Apoio a todos os docentes deslocados

Depende da data de dissolução da AR e da celeridade da Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

O projeto de lei que a AR aprovou desceu à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para ser discutido e fechado na especialidade, regressando ao plenário onde será aprovado em votação final global. Recorde-se que este projeto de lei contempla o alargamento do apoio a todos os docentes deslocados da área de domicílio fiscal. Dependerá, agora, do momento em que a AR for dissolvida e da celeridade com que a matéria for discutida em comissão para se ficar a saber se o justo alargamento a todos os docentes deste apoio será ou não aprovado e aplicado.

 

Reinscrição na Caixa Geral de Aposentações (CGA)

TC deverá pronunciar-se sobre a lei interpretativa

Como a Fenprof divulgou, o facto de haver mais de três sentenças de tribunal de 1.ª instância que colocam em causa a constitucionalidade da Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro, fará com que esta lei interpretativa seja apreciada pelo Tribunal Constitucional (TC). A decisão do TC ditará o futuro da lei, que contém uma norma interpretativa que, na verdade, 20 anos depois, altera o espírito e a letra da lei, extravasando, em muito, a mera interpretação.

 

Revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD)

A Fenprof colocará ao próximo governo a necessidade de dar prioridade a este processo negocial.

Em bom rigor, a revisão do ECD ainda não foi iniciada. As reuniões realizadas em janeiro, fevereiro e início de março visaram a revisão do regime de MpD, matéria que não constava sequer do ECD, passando a integrá-lo apenas como referência. Ora, dada a necessidade de valorização da profissão, que passa, necessariamente, pela revisão do ECD, a Fenprof colocará ao próximo governo a necessidade de dar prioridade a este processo negocial, dele resultando um melhor Estatuto, capaz de tornar atrativa a profissão para quem a abandonou e para os jovens, no momento de decidirem o seu futuro. Nessa revisão, à cabeça, tal como a Fenprof defendeu, mas o MECI recusou, serão colocadas as questões relacionadas com a estrutura da carreira, índices salariais, transição entre estruturas e, ainda, a avaliação do desempenho, combatendo, desde logo, mais uma tentativa de pôr fim à carreira docente enquanto corpo especial da administração pública. Questões que não constam do protocolo que algumas organizações assinaram, como a aposentação, por exemplo, serão também matéria que a Fenprof proporá. Particularmente neste domínio, será importante ter em conta os compromissos que vão assumir os partidos concorrentes às próximas eleições legislativas.