A que pode aspirar um professor? (Andreia Sanches)
14 de fevereiro de 2022
"Editorial", de Andreia Sanches, no Público (Edição de 6 de fevereiro de 2022)
Imagine um professor de 50 anos, divorciado e com um filho menor. Dá aulas numa escola pública. Tem a experiência de uma carreira de 25 anos e dois meses. Para casa leva um salário líquido de 1415 euros.
Se excluirmos o estado civil e o número de filhos (que neste exercício só importa referir para chegarmos a um salário líquido real, de uma pessoa com um dependente a cargo) este professor, com os seus 50 anos de idade e literalmente metade da vida a dar aulas, corresponde ao perfil de 26% dos docentes. É essa a percentagem dos que estão no 4.º escalão de uma carreira de dez: têm em média 50 anos e 25 de serviço.
O relatório do Conselho Nacional de Educação, divulgado esta semana, confirma que temos uma classe docente cada vez mais envelhecida, um ritmo acelerado de aposentações e muito menos jovens a escolher esta profissão. Segue-se o alerta da praxe: haverá num futuro próximo “alguma dificuldade na contratação de docentes devidamente habilitados”.
Já há, na verdade: muitos alunos continuam, nesta altura do ano, sem professor nalgumas disciplinas.
Os dados do CNE mostram como os garrotes do passado (o descongelamento das carreiras da função pública só se concretizou em 2018) amputaram as perspectivas, numa boa parte da classe, de progredir.
Quase metade dos docentes estão integrados nos quatro primeiros escalões remuneratórios. Os do 1.º escalão têm em média 16 anos de serviço e um vencimento que pode não ir além dos 1150 euros.
No outro extremo, 16% estão no 10.º escalão: têm em média 60,7 anos de idade e quase 40 de serviço (neste caso, o salário limpo oscila entre os dois mil e os 2400 euros).
Estamos a falar de uma classe muito qualificada — a maioria tem licenciatura, mestrado, doutoramento — que precisa de atrair sangue novo.
Quem está nas escolas só pode sentir uma profunda frustração — o tal professor de 50 anos, 25 de serviço, 1400 e pouco euros… E quem não está, dificilmente se sente atraído.
A atractividade da profissão não passa só pela questão salarial — passa por boas condições de trabalho, por autonomia, pelo reconhecimento da experiência e da competência, pela perspectiva de que se vai evoluir… Mas passa também pelo que se ganha. Chama-se a isto aspirar a melhor qualidade de vida.
Bem consciente do problema da escassez de quadros, o PS prometeu no seu programa tomar medidas para “garantir à escola pública os professores necessários à sua missão”. E, para isso, aposta na mudança do regime de recrutamento.
Mas sem alterar o que atrás descrevemos não se vislumbra que seja possível recrutar os melhores.