21 medidas para estabilizar o corpo docente, valorizar a escola pública e a qualidade das respostas educativas (2004)

30 de dezembro de 2004

CARTA REIVINDICATIVA DOS DOCENTES PORTUGUESES 

No início do mandato da actual equipa ministerial, a FENPROF comprometeu-se a entregar uma Carta Reivindicativa e a apresentar propostas que considera prioritárias para a Educação, o Ensino e a Formação em Portugal.

Não o fez, ainda, por considerar não haver condições para um debate sereno, enquanto se arrastassem inúmeros casos de professores e educadores excluídos ou vítimas de outros erros no concurso para 2005, situações que tardam em ser solucionadas na totalidade. Por essa razão, a FENPROF considera fundamental, uma resposta positiva e definitiva, nos próximos dias, a todos os casos que continuam pendentes para que, por fim, o ano lectivo conheça um período de alguma estabilidade.

É neste quadro, e convicta da resolução em futuro próximo daqueles problemas, que a FENPROF aprova a Carta Reivindicativa dos Professores e Educadores Portugueses e a envia ao Ministério da Educação.

O pensamento e a reflexão da FENPROF sobre as diversas questões referidas constam das decisões aprovadas no VIII Congresso Nacional dos Professores, que se realizou em 17, 18 e 19 de Março do corrente ano (ANEXO 1).

Contudo, e de forma sintética, a FENPROF passa a enumerar as vinte e uma medidas que considera essenciais para estabilizar o corpo docente, valorizar a escola pública e melhorar a qualidade educativa.

1.            Estabilidade de emprego e profissional dos professores e educadores

Aprovação de um regime de concursos e colocações de professores e educadores que estabeleça novos critérios para a abertura de lugares nos quadros das escolas, defina zonas pedagógicas de menor dimensão, garanta a vinculação dinâmica dos professores contratados, a profissionalização dos docentes de habilitação própria, a resolução do problema, que se arrasta há anos, da extrema instabilidade profissional dos professores de técnicas especiais e a superação dos obstáculos que continuam a impedir a resolução da situação profissional dos professores vinculados com habilitação suficiente.

Num quadro de promoção da estabilidade de emprego e profissional, a FENPROF rejeita qualquer medida que possa levar à aplicação do regime de contratação individual de trabalho, em vez dos actuais contratos administrativos.

2.           Estabilidade do corpo docente das escolas

Definição de critérios para a abertura de lugares de quadro nas escolas, tendo em conta a necessária redução do número de alunos por turma, a limitação a dois, do número de anos de escolaridade por turma no 1º CEB e a constituição de equipas educativas, a tomada de medidas e o desenvolvimento de projectos de combate ao abandono e insucesso escolares e o alargamento das medidas de apoio educativo aos alunos com necessidades educativas especiais.

3.           Aprovação de medidas que promovam o sucesso escolar, garantam o aprofundamento da democracia e da participação numa escola inclusiva e contribuam para o progresso e o desenvolvimento do país, promovendo, simultaneamente, o emprego docente.

Para além das medidas constantes no ponto anterior, a FENPROF considera necessário o alargamento da rede pública de educação pré-escolar, o combate eficaz ao analfabetismo e às baixas qualificações da maioria dos portugueses e a renovação do corpo docente, também por via da revogação de medidas impostas pelo Governo que agravaram as condições para a aposentação voluntária e por inteiro dos professores.

4.           Aposentação dos professores

Aprovação de um regime de aposentação específico para os profissionais docentes que permita a sua aposentação voluntária e por inteiro a partir dos 30 anos de serviço. Esta proposta tem em conta o elevado desgaste físico e psicológico provocado no pessoal docente pelo exercício continuado da profissão em contextos, muitas vezes, extremamente adversos.

Contar todo o tempo de serviço considerado para carreira pela Lei 5/2001 como tempo prestado em regime de monodocência para efeitos de aposentação.

5.           Estatuto da Carreira Docente

Regulamentação do artigo 63º do ECD, referente à criação de incentivos à fixação de docentes em zonas isoladas e desfavorecidas. A FENPROF considera indispensável a rigorosa observância das normas constantes no ECD, designadamente no que se refere a horários de trabalho, faltas, férias, licenças e direitos sindicais, atribuições e actividades a desenvolver nas componentes lectiva e não lectiva e conteúdo funcional da profissão docente.

A FENPROF rejeita ainda a introdução de uma pretensa lógica meritocrática de avaliação do desempenho, assente no poder discricionário de um superior hierárquico e numa progressão na carreira condicionada por quotas, despida de qualquer conteúdo pedagógico e orientada por critérios economicistas de todo inaceitáveis.

No plano das remunerações, é com preocupação que se vem assistindo a uma progressiva desvalorização do salário dos docentes, agravada com o "congelamento salarial" imposto pelo Governo nos dois últimos anos, tendência que deverá inverter-se.

6.           Docentes dos ensinos particular e cooperativo e IPSS

Revisão do Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo com o objectivo de equiparar a carreira, o regime de aposentação, as remunerações, as condições de trabalho dos docentes do ensino particular e cooperativo ao dos seus colegas do ensino público. No imediato, exige-se a revogação dos três novos níveis introduzidos no início da carreira dos docentes do EPC, por se traduzir numa profunda injustiça para os jovens que iniciaram funções a partir de Janeiro de 2004.

Reconhecer como docente, a actividade desenvolvida pelos professores e educadores em Creches e ATL.

7.           Elevar a formação de professores

A FENPROF considera urgente uma profunda reformulação da formação de professores nos seus diversos domínios (inicial, contínua e especializada), adequando-a às necessidades dos professores e de uma escola renovada e orientada para o futuro e para o progresso do país.

Nesse contexto, é necessário e urgente definir um novo quadro legal sobre habilitações para a docência adequado às necessidades do país e do sistema educativo.

No que respeita à formação complementar, a FENPROF exige que sejam criadas condições para que nos próximos dois anos todos os que ainda pretendam, designadamente os professores dos 2º e 3º CEB e do ensino secundário para quem não foi organizada formação complementar específica, a ela possam ter acesso. Deve, também, ser tomada uma medida legislativa que permita aos docentes do ensino público e do ensino particular e cooperativo, sem habilitação de grau superior, o acesso a cursos de complemento de formação.

A FENPROF organizará em breve um Seminário sobre Formação de Professores e Educadores cujas conclusões serão enviadas ao Ministério da Educação.

8.           Lei de Bases para a Educação, uma lei que exige consenso

Estabelecimento de um amplo consenso político, educativo, social e cultural na aprovação de uma nova lei de bases para a educação. Nesse sentido, torna-se indispensável que o debate se reinicie não servindo o texto aprovado pela maioria PSD/CDS-PP, posteriormente vetado pelo Senhor Presidente da República, de ponto de partida para o novo debate.

9.           Investir no ensino público e cumprir a Constituição da República Portuguesa

Investir no ensino e nas escolas públicas é respeitar e cumprir a Constituição da República Portuguesa. Há indícios preocupantes que permitem inferir a intenção de desrespeitar o preceito constitucional, designadamente o texto da Lei de Bases da Educação, vetado pelo Presidente da República, ou o grande aumento da despesa com o ensino privado, previsto no Orçamento de Estado para 2005, quando, na mesma lei, o Governo propõe uma significativa redução do investimento no ensino público.

A FENPROF considera fundamental a aprovação de uma Lei de Financiamento da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário em relação à qual apresentará de novo contributos para a sua elaboração.

A FENPROF considera indispensável que o financiamento público de estabelecimentos privados se paute por regras de grande transparência. Por essa razão, exige ter conhecimento das conclusões dos processos disciplinares instaurados nos últimos anos a colégios privados por eventual utilização indevida dos financiamentos públicos, como exige grande rigor na aplicação da lei e na manutenção ou celebração de novos contratos de associação.

Em defesa da escola pública realizou-se em Coimbra, no dia 4 de Novembro, por iniciativa de um conjunto largo de entidades representativas de docentes, pessoal não docente das escolas, estudantes, pais e encarregados de educação e diversas organizações sociais, um Fórum Nacional que aprovou a Resolução que se anexa (ANEXO 2).

10.      Aprofundar a gestão democrática das escolas

Aprofundamento da gestão democrática e participada das escolas, condição necessária à formação para a cidadania, e rejeição das intenções já manifestadas pela actual maioria parlamentar e pelo governo anterior, designadamente, a entrega da gestão das escolas a gestores profissionais, a criação de uma carreira de gestor e da eliminação dos processos democráticos eleitorais na escolha dos titulares dos órgãos de gestão.

11.       Reordenamento da rede escolar

A FENPROF considera indispensável repensar e, em muitos casos, refazer os agrupamentos que se constituíram, grande parte ilegalmente, impostos pela administração educativa à revelia da vontade de professores, pais e autarquias.

Ainda neste quadro, a FENPROF, e no que respeita ao encerramento de escolas, considera que não podem continuar a prevalecer critérios de ordem economicista. O encerramento de uma escola deverá ter em conta a sua situação específica e o interesse das respectivas comunidades educativas, assim como a salvaguarda dos direitos profissionais de docentes e não docentes. Considera, ainda, que da transferência de alunos para outras escolas deverá resultar sempre uma melhoria da qualidade educativa e das respostas sócio-educativas.

A FENPROF considera necessário que o P.E.R. (Programa Especial de Reordenamento da Rede Escolar) se aplique em todas as regiões do país.

12.      Melhoria das condições de trabalho nas escolas.

A FENPROF considera inadmissíveis os cortes orçamentais que são todos os anos impostos às escolas que, assim, ficam impossibilitadas de investir na criação de melhores condições de funcionamento e de trabalho para alunos, professores e pessoal não docente.

Sendo a situação mais grave de degradação e inadequação de equipamentos, a que se vive no 1º CEB, a FENPROF reafirma a necessidade de aprovação de um Plano Nacional de Intervenção neste sector de ensino (anexam-se propostas já apresentadas pela FENPROF à anterior equipa ministerial - ANEXO 3).

Também ao nível das condições de conforto e de bem estar na sala de aula, a FENPROF considera indispensável dotar todos os estabelecimentos de um sistema de aquecimento que, para além de respeitar as normas legais vigentes em matéria de segurança, garanta, de facto, o aquecimento das salas de aula.

13.      Avaliação do sistema educativo e das escolas

A FENPROF defende uma avaliação global do sistema educativo que tenha em conta o desempenho das escolas, mas também da administração educativa, nos seus diversos níveis. Uma avaliação que permita identificar os principais constrangimentos existentes no funcionamento das escolas e ajude a compreender quais são da sua responsabilidade e quais decorrem de decisões de política educativa. É neste quadro que a FENPROF reafirma o seu profundo desacordo com a elaboração dos rankings de escolas pelas distorções e equívocos associados a esta pretensa avaliação, denunciando o seu carácter redutor, injusto e perverso.

14.      Reformas no ensino básico e no ensino secundário

A FENPROF exige que se repensem algumas das medidas tomadas neste domínio da reforma, disponibilizando-se para avaliar o que foi feito, como foi feito e o que é necessário e urgente alterar, tendo em conta a avaliação que já fez sobre o assunto.

No imediato, para além de reafirmar a sua posição de princípio de rejeição da introdução de exames nacionais na escolaridade básica, a FENPROF considera indispensável a suspensão dos exames previstos para este ano, a Língua Portuguesa e Matemática, no 9º ano, bem como a suspensão da reforma em início de aplicação no ensino secundário dado que, neste caso, são inúmeras as lacunas e indefinições.

15.      Construção de uma escola inclusiva

A construção de uma escola verdadeiramente inclusiva passa pela formação especializada dos docentes, pela rede de parcerias públicas e pela criação de condições nas escolas para que respondam adequadamente a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais, independentemente da sua natureza, e pela criação de lugares de quadro nas escolas. A FENPROF rejeita, por ser contrário aos objectivos pretendidos e aos compromissos assumidos por Portugal no plano internacional, o ante-projecto de reforma da educação especial e do apoio sócio-educativo apresentado pelo anterior governo da actual maioria, através do qual se desfere um enorme ataque contra a escola inclusiva.

16.      Valorização da Educação Pré-Escolar

A FENPROF rejeita a desvalorização de que tem sido alvo a Educação Pré-Escolar, traduzida, nomeadamente, na existência de um calendário escolar específico que penaliza os períodos destinados à avaliação, bem como em sucessivas tentativas de deturpar os objectivos deste sector de Educação que o próprio quadro legal reconhece como primeira etapa da Educação Básica.

A FENPROF opor-se-á, ainda, de forma determinada a qualquer tentativa de privatização deste sector de educação ou de alteração de tutela.

17.      Democratização do ensino recorrente

A FENPROF defende o aumento da oferta especificamente do ensino recorrente nas escolas públicas. Defende também que a reforma do ensino recorrente tenha em conta e respeite os vários públicos-alvo e as suas disponibilidades de frequência.

18.      Um ensino profissional estável e de qualidade

A tremenda instabilidade em que vive o ensino profissional, dependente de fundos comunitários e permanentemente vítima de atrasos nos financiamentos e de redução da oferta, não permite o seu desenvolvimento de acordo com as necessidades e a procura, num quadro de qualidade que se exige. A FENPROF considera indispensável que se altere a lógica do ensino profissional, quanto à forma de financiamento e ao seu carácter quase exclusivamente privado, de forma a criar e consolidar uma verdadeira rede pública de escolas profissionais capaz de responder às necessidades de desenvolvimento do país.

19.      Investir na Acção Social Escolar

A verdadeira democratização do ensino só se alcança com a consolidação de uma escola pública de qualidade para todos. Questão essencial para alcançar este objectivo é a existência de uma forte acção social escolar. No nosso país é urgente o reforço da ASE, através de um aumento significativo de verbas no Orçamento de Estado e a aprovação de um conjunto de medidas como a atribuição gratuita de livros escolares, o aumento do valor dos subsídios, a atribuição de bolsas de estudo de valor relevante, a concessão de alojamento gratuito quando se justificar, entre outras.

20.      Ensino Artístico

Completar urgentemente o processo de publicação dos diplomas de acesso e ingresso nos estabelecimentos vocacionais de ensino artístico e criação dos respectivos quadros, nomeadamente das Escolas de Dança e Música dos Conservatórios Nacionais.

Possibilitar o acesso à profissionalização dos docentes das escolas vocacionais de ensino artístico.

Definição das carreiras do pessoal técnico indispensável ao funcionamento das áreas vocacionais das Escolas Especializadas de Ensino Artístico (técnicos de gravação de vídeo, acompanhadores musicais, etc.).

Clarificação urgente da legislação sobre habilitações para o ensino destas áreas no ensino regular. Criação de condições para o "complemento" de habilitações para os professores de educação Musical.

21.      Ensino Português no Estrangeiro

A FENPROF defende um maior investimento em prol da promoção e divulgação da Língua e da Cultura portuguesas junto das comunidades emigrantes, o que exige a resolução de diversos problemas relacionados com o exercício da docência no ensino português no estrangeiro, designadamente, a actualização das tabelas salariais dos professores, uma cobertura social idêntica de todos os docentes, a rendibilização da experiência adquirida e da qualificação profissional dos docentes.

Sobre cada uma destas matérias a FENPROF está disponível para o diálogo e para a realização de reuniões de debate e negociação que permitam a aprovação de medidas que contribuam para um ensino e uma educação melhores.

Num primeiro momento, a FENPROF considera indispensável a realização de uma reunião negocial global durante o mês de Dezembro onde se estabeleçam prioridades e definam processos e calendários de negociação. As reuniões parcelares deverão ter o seu início no 2º período lectivo encerrando os processos negociais até final do presente ano lectivo.

 

Lisboa, 25 de Novembro de 2004

 

 

O Conselho Nacional da FENPROF

 

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