Casa cheia para debater a Escola, a Cidade e a Democracia (9/mar)

9 de março de 2019

Casa cheia para debater a Escola, a Cidade e a Democracia

Ver reportagem fotográfica de HB


ESCOLA, CIDADE E DEMOCRACIA

Intervenção inicial de Francisco Teixeira

O objetivo desta conferência-debate é pensar a democracia, a escola, a cidadania e a profissionalidade docente.

No contexto em que aqui estamos, um contexto sindical, não nos compete, primacialmente, ajudar a implementação de uma reforma ou reformas governamentais. Embora também se possa falar disso - falar-se-á sobre o que cada um quiser -, que não se pense, porém, que vamos aqui explicar como implantar a disciplina ou a componente curricular de cidadania e desenvolvimento, no contexto da reforma curricular decorrente do Decreto-Lei 55/2018 (assunto sobre o qual o SPN tem uma opinião própria, formalizada, que podem consultar no nosso site). Não foi isso que nos motivou para a organização deste encontro ou em particular para o convite que dirigimos aos nossos ilustres convidados e amigos, que estão nesta mesa comigo.

Partindo este encontro da iniciativa do departamento de política educativa do SPN, o nosso objetivo é, pois, bastante mais amplo: é, em suma, pensar a escola e a democracia. Digamos, então, que desde a segunda metade do século XX a escola tem estado sempre no centro dos problemas, sobretudo como antídoto, e contra todos os males, mas também, muitas vezes, como problema ela mesma. Veja-se, agora mesmo, no Brasil, como a escola é o grande problema da extrema-direita protofascista ou, entre nós, como a escola, volta e meia, como alavanca de um discurso que se pode descrever como pós-escolar, é vista e descrita como um falhanço fabril infernal, espécie de exército pré-pós-moderno, incapaz dos maravilhosos desafios dos tempos presentes e por vir, fantasticamente high-tech, idealmente providos de inteligência artificial e, portanto, onde a inteligência natural do velho professor, literalmente velho professor, já não é senão um empecilho, para quem, portanto, a ideia de uma carreira pública específica, o velho Estatuto da Carreira Docente, já não se justifica.

Ou seja, volvidos os tempos esperançosos da segunda metade do século XX, exacerbada agora a desigualdade como nunca, a escola aparece ora apresentada ainda e sempre como o velho antídoto para a desigualdade, ora, e aqui a novidade, como uma velha escola falhada e, portanto, a exigir uma revolução radical, uma superação pela híper-individualização e híper-flexíbilidade, feita cada escola à medida de cada território, de cada cidade, de cada comunidade, de cada bairro, de cada aluno particular, literalmente particular, ao ponto de, e assim sendo, a escola deixar de ser um substantivo comum para passar a ser um substantivo próprio, a denominação de um instrumento particular no mercado da oferta e procura do homo economicus, e já não a denominação de um sistema social comum. 

Cada escola é uma Escola particular, diz-se. O mesmo é dizer, a escola como coisa e organização ou sistema social comum já não faz sentido, acabou. Tal como com a pós-verdade e com a pós-modernidade, muito em particular, teríamos também agora o advento histórico da pós-escola. Mas, se assim for, se a fragmentação for mesmo o destino final de todas as coisas, e em particular da escola, daquele sistema social moderno (a que alguns querem, na verdade, chamar antigo) de edificação individual e social, onde as crianças e os jovens constroem não só o si mesmo mas também o universal, o humano; não o doméstico e íntimo mas o cívico e público; não só a autogratificação mas também a justiça; se o destino deste sistema social, se o destino da escola, for a fragmentação em multiplicidades infinitas respondendo às infinitas idiossincrasias e à multifrenia pós-moderna (na verdade regressando a uma espécie de escola doméstica pré-moderna), a que sistema social competirá ensinar o social, o humano, o universal, o justo, o democrático?

Bem sei, ainda não chegamos facticamente a este momento apocalíptico de deflagração final pelo fogo. Acontece que, como temos, os professores portugueses, muitas lutas pela frente, imediatas e urgentes, permita-se-nos um momento, uma inspiração profunda, de reflexão e debate sobre o futuro um pouco mais à frente, que se a nossa carreira profissional é essencial, nem por a vermos periclitante, se não mesmo exangue, nem por isso deixamos de pensar e agir. Temos então, olhando para o mundo, e ainda que não imediatamente entre nós, que a Democracia parece estar sob ataque e é impossível não ver que a escola é justamente um dos locais de combate. Como outrora, aliás. 

Temos então que nos perguntar: Para onde caminha a escola democrática? Como se cruza ela com a cidade, com o espaço de habitação do cidadão? Resistirá a escola aos encantos da sua dissolução noutros sistemas sociais, nomeadamente o económico, o industrial, o partidário e o autárquico, cada vez mais decisivos na sua definição, no seu currículo e, portanto, emagrecendo cada vez mais a sua autonomia? Mas como poderá então, a escola, combater pela Democracia, se a puserem, preferencialmente, a combater pela produtividade, pelo lugar no ranking, o único produto politicamente vendável? Como se poderá então entender, pensar e agir profissionalmente como professor sob aquela pressão, daqueles currículos e demandas locais e, desde logo, municipais? Como poderá, pois, a escola educar as crianças, os jovens, mas também os adultos, para a cidadania, para a vida enquanto cidadãos e não apenas indivíduos? Como se pode imaginar uma escola dos Direitos Humanos Universais (dos direitos universais da mulher…), sob pressão da competição individualizante e publicitária da escola projeto e produto de consumo?

Será, em suma, que as escolas e os professores estão destinados a "acabar", com o currículo a ser definidos de fora para dentro, des-escolarizando o currículo, transformados os professores e a escola em meros instrumentos de performatividade, operários e fábricas mal pagos ao serviço de reprodução social e dos ciclos políticos? Mas, nesse caso, poderá a escola ser ainda um local de aprendizagem e luta pela democracia e os professores ainda serão professores?


5 de fevereiro de 2019

INSCRIÇÕES ONLINE (Lotação esgotada)

Inscrições abertas a todos os professores com prioridade ao sócios.

Ação acreditada ao abrigo do despacho 5741/2015, de 29 de maio (4 horas).

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