O "debate necessário sobre a escola pública" mobilizou elementos da comunidade educativa e deputados
"Seja qual for o Governo que sair das eleições de 5 de Junho, a nossa convicção é que todos - professores, trabalhadores não docentes das escolas, estudantes, pais, psicólogos, inspectores de educação, cidadãos, temos que lutar por uma escola pública que responda às necessidades dos alunos, uma escola pública de qualidade, democrática e para todos".
As palavras são de Mário Nogueira e marcam o fecho do intenso debate que decorreu na passada segunda-feira, 23 de Maio, no auditório da Escola Secundária Camões, em Lisboa, por iniciativa da Plataforma da Educação, que, recorde-se, promoveu o Manifesto “Investir na Educação, defender a Escola Pública”, documento que já recolheu inúmeras assinaturas institucionais (de associações, movimentos, órgãos autárquicos, entre outros) e milhares de subscrições individuais recolhidas em iniciativas específicas que foram promovidas e também on-line.
Realizado no primeiro dia útil da campanha eleitoral, o programa do debate incluiu em dois painéis. O primeiro, no período da manhã, sob o tema “A Escola Pública faz a diferença!”, contou com a participação de Almerindo Janela Afonso (investigador e docente da Universidade do Minho), Carlos Braga (Movimento de Utentes de Serviços Públicos - MUSP), Maria José Viseu (Presidente da CNIPE, Confederação Independente de Pais) e José Calçada (Presidente do Sindicato dos Inspectores de Educação e Ensino - SIEE), tendo o debate sido moderado por Helena Afonso, dirigente do STAL (Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local).
De tarde, foi a vez de os partidos políticos com representação parlamentar falarem das suas opções para a legislatura que termina e, sobretudo, apresentarem as suas propostas para o futuro da Educação e da Escola Pública que, como se sabe, sofreu um corte orçamental de 803 milhões no ano em curso, prevendo-se que em 2013, o corte total venha a atingir os 1.200 milhões.
Participaram neste painel - “Na hora de decidir o futuro, o que defendem os partidos políticos" - Diogo Feio (deputado europeu do CDS); Pedro Duarte (deputado do PSD); Bravo Nico (deputado do PS); Francisco Madeira Lopes (dirigente do PEV); Miguel Tiago (deputado do PCP); e Cecília Honório (deputada do BE). A moderação deste painel foi da responsabilidade de Patrícia Matos, jornalista da TVI.
Mais fortes para defender a escola pública!
Numa breve saudação aos presentes, o Secretário Geral da FENPROF e porta-voz da Plataforma, falou das actividades desta entidade, nomeadamente das reuniões que já iniciou com os partidos, para entrega do Manifesto, destacou a actualidade do tema do debate ("A escola pública, que corre sérios riscos, está na boca de toda a gente") e deixou um desafio: "Temos que estar mais fortes para a sua defesa!".
Almerindo Janela Afonso realçou, na primeira parte da sua intervenção, a necessidade de defender e valorizar os serviços públicos numa sociedade democrática, lembrando que é necessário estar mais atento e ser mais perspicaz politicamente para contra-argumentar e "confrontar criticamente algumas das justificações mais subtis e elaboradas que procuram acabar com a escola pública".
Depois de referir que "os serviços públicos só para as classes populares tendem a perder importância", o prestigiado investigador criticou frontalmente aqueles que, "sem pudor, colocam a necessidade da privatização dos serviços públicos, quando devem à escola pública o seu estatuto social e a sua formação". Isso é mais um sintoma da falácia da actual relativização e des-historizicação da vida social, mas "Não se pode apagar o passado", comentou ainda a este propósito.
"A escola pública é uma conquista civilizacional"
Mais adiante, Janela Afonso sublinhou a importância da construção da cidadania numa perspectiva nacional e europeia e a sua íntima relação com a escola pública. Alertou para os apetites da Organização Mundial do Comércio (OMC) também na área do ensino e sublinhou que "a escola pública é uma conquista civilizacional cujo retrocesso seria impensável".
Embora inacabado e necessitando sempre de ser melhorado, este projecto evoluiu ao longo do tempo e tem hoje uma importante densidade histórica, cultural e educacional. O docente da Universidade do Minho referiu, noutra passagem, que a escola pública é também um projecto democrático vinculado à conquista de direitos sociais - "é um direito humano fundamental".
Carlos Braga alertou para as políticas de desmantelamento e privatização de serviços fundamentais como a saúde e os transportes, destacando que "há hoje preocupações acrescidas" na sequência do acordo assinado por PS, PSD e CDS com a "troika".
O representante do Movimento dos Utentes de Serviços Públicos (MUSP) afirmou que é preciso "dar valor à escola pública", proporcionando-lhe condições de trabalho e de funcionamento.
"É um milagre que a escola pública consiga fazer alguma coisa"
Por seu turno, José Calçada, ao fazer o retrato social do país, marcado pela situação em que vivem 700 mil desempregados e dois milhões de pobres, "com cantinas escolares a funcionar nas férias para muitas crianças de famílias carenciadas", lembrou que "este é o país real que a escola pública recebe diariamente". E registou: "É um milagre que a escola pública consiga fazer alguma coisa".
"À escola pública devo o que sou hoje". Foi assim que Maria José Viseu iniciou a sua intervenção no debate da Plataforma. A dirigente da CNIP afirmou que a grande maioria dos pais e encarregados de educação não concorda com os ataques à escola pública e abordou a realidade do interior do país, marcada (também) pelo encerramento cego de escolas. "Fecharam as 24 escolas do meu concelho".
Depois destas primeiras intervenções teve lugar o debate com a participação do auditório, em que se destacaram temas como a transferência de responsabilidades do ME para as autarquias e as consequências do acordo assinado com a troika no plano da educação.
A palavra aos deputados: 1ª ronda
Depois da interrupção para almoço, o debate avançou para o painel com os representantes dos partidos, apresentados pela jornalista Patrícia Matos, que, para uma primeira "ronda", deu oito minutos e meio a cada um dos intervenientes.
O deputado do PS, Bravo Nico, foi o primeiro, destacando desde logo que a qualificação dos portugueses foi "a prioridade das duas legislaturas" anteriores. "Alargámos bastante este conceito de qualificação, tanto nos adultos como noutros sectores", afirmou, reforçando a ideia de um grande número de pessoas envolvidas.
O parlamentar do PS falou das "preocupações" do seu partido com os resultados do aproveitamento escolar, taxa de escolarização, frequência do pré-escolar e acesso ao ensino superior. O alargamento da escolaridade para 12 anos - "um desafio, uma decisão corajosa, que, agora, há que tornar real" - esteve também, em foco nestas primeiras palavras de Bravo Nico.
Pedro Duarte, do PSD, chamou a atenção do auditório para o "défice estrutural do país", lembrou que "a educação não foi valorizada ao longo de muitos anos" e destacou três questões fundamentais para o seu partido: a necessidade de "estabelecer plataformas de diálogo, com uma visão a médio e longo prazo para a educação", garantindo "estabilidade" para este sector; a necessidade de "alterar a lógica centralista do Ministério da Educação ("o ME gere tudo e todos"; "o ME tem que confiar nas escolas"´, "é preciso autonomia a sério"); e, finalmente, a necessidade de "recuperar a dignidade do professor e a sua autoridade na sala de aula."
O deputado social-democrata afirmou que o seu partido, em termos de rede escolar, "não subscreve a política de mega-agrupamentos" seguida pelos governos PS, declarando mais adiante que "estamos disponíveis para reavaliar algumas das decisões", em diálogo com a comunidade educativa. Reconheceu o apoio do PSD a uma "carreira especializada" de gestor para as escolas, mas que isso "jamais será implementado se os professores não aderirem", registando ainda: "O director que não é aceite pelos seus pares nunca será um bom director". Quanto ao "mito liberdade de escolha", disse que "o PSD não caminha para a privatização da escola pública". Quanto à avaliação de professores, garantiu que o partido vai apresentar outro projecto.
No pós-eleições, e na perspectiva de que "não vai haver maiorias absolutas", "o diálogo vai ser necessário", realçou Diogo Feio, deputado europeu. O representante do CDS disse que é preciso "estabelecer uma base de diálogo", aproveitando as "ideias positivas de cada um".
Para os "centristas", a "função da escola pública" é "formar" e garantir o "direito a subir na vida através da educação e da formação". Falou também da necessidade de recuperar a autoridade do professor e realçou que "os professores não podem ser os bodes expiatórios" das crises e das políticas erradas e incoerentes". Não aconselhou que se mude tudo e garantiu que, na perspectiva do CDS, o director "tem de ser um professor".
Digo Feio afirmou noutra passagem que são precisas "regras claras" para o Estatuto do Aluno e que as conversas que o partido tem mantido com as organizações sindicais sobre a situação no sistema educativo têm sido muito úteis. Destacou a importância da autonomia das escolas e "o apoio aos projectos educativos diferenciados", sublinhou que é necessário ter "a noção dos índices de empregabilidade das nossas universidades e dos respectivos cursos" e afirmou que "o próximo ministro da Educação deve ser alguém com peso político".
Cecília Honório, do Bloco de Esquerda (BE), chamou a atenção para "o défice de debate público sobre os novos perigos que estão a atingir a escola pública" e criticou o PS que, por vezes, "toca uma flauta" que parece dar música à esquerda, enquanto abre "as portas à direita".
As orientações do PS em matéria de gestão das escolas e de salários e carreiras mereceram igualmente a condenação frontal da deputada do BE, que apontou algumas das preocupações do seu partido, nomeadamente contra o modelo de avaliação imposto pelo ME. Referiu que o Bloco se bate pela estrutura democrática da escola, pela redução do número de alunos por turma, pela existência de equipas multidisciplinares nas escolas, pela vinculação dos docentes contratados, pelo combate à precariedade laboral no sector e pela atribuição de bolsas no ensino superior.
As previsíveis consequências do "memorando assinado entre a troika de dentro e a troika de fora" estiveram presentes na intervenção de Cecília Honório que alertou para os efeitos dos cortes de milhões de euros na educação, com a perspectiva de mais encerramentos de escolas e a redução de custos com pessoal, ou seja: "profissionais da educação que vão para o olho da rua".
Miguel Tiago, do PCP, apontou dois documentos que podem ser a base impulsionadora de uma política coerente no sector: a Constituição da República e a Lei de Bases do Sistema Educativo. Trata-se, como realçou o deputado comunista, de "documentos incompatíveis" com as orientações impostas pela "troika".
Condenando energicamente as políticas que desfiguram e subvertem a escola pública através de uma "catadupa legislativa" e de uma teia burocrática sem fim, Miguel Tiago apontou algumas das iniciativas legislativas apresentadas pela sua bancada em S. Bento, nomeadamente a favor da gestão democrática, suspensão da avaliação do desempenho, concursos e estabilidade profissional, entre outras, criticando os partidos que inviabilizaram soluções apontadas à melhoria da situação nas escolas e no sistema educativo.
"Há aqui duas perspectivas diferentes sobre a escola pública portuguesa: a que a entende como estando ao serviço do país e das populações; e a que a entende como estando ao serviço do mercado", concluiu.
"A crise tem uma história e tem responsáveis", lembrou Francisco Madeira Lopes. O dirigente do PEV criticou "as reformas agressivas do PS ao longo de seis anos de governação", lembrando que o economicismo esteve "na base" da actuação política do ME e manifestando a sua preocupação pelas consequências da "austeridade" que a troika quer impor ao nosso país, num enquadramento que "não é bom para a escola e para o ensino".
"A educação é um investimento fundamental para ultrapassar esta crise", salientou o dirigente dos "Verdes", que afirmaria noutro momento: "É importante fazer escolhas e saber o que é que os partidos pretendem após 5 de Junho". "O que a direita propõe é uma escola pública mais fragilizada", concluiu.
A palavra aos deputados: 2ª ronda
A jornalista Patrícia Matos devolveu depois a palavra ao auditório, que levantou muitas questões, nomeadamente sobre a precariedade laboral, os cortes no financiamento, a "liberdade de escolha", os mega-agrupamentos, a educação especial, a escolaridade de 12 anos em contexto de ataque à escola pública e o negócio à volta da Parque Escolar, entre outras matérias. Os representantes dos partidos foram convidados a pronunciarem-se, já no concreto, sobre os assuntos colocados. Começava então a segunda ronda das declarações
"O cenário ideal era que cada família pudesse escolher a escola do seu filho. Mas isso é impraticável... Há que dar passos para estabelecer, dentro da rede pública, um maior grau de escolha" - foi assim que Pedro Duarte iniciou a sua segunda intervenção no debate organizado pela Plataforma.O representante do PSD voltou a falar de outro "cenário ideal", este relativo aos mega-agrupamentos: não devem, no seu entender, ultrapassar os 1200 alunos.
Outras notas salientes das palavras de Pedro Duarte: a função de director requer "especialização" mas isso é "matéria em aberto para discutir com os professores"; "é inaceitável" que professores com 10 e 15 anos de serviço tenham uma situação precária; o PSD vai repensar o enquadramento e a filosofia empresarial da Parque Escolar ("os números são assustadores"); a componente externa na avaliação do desempenho (a actual é "hostil") deve ser encarada como caminho a seguir; há distinguir classificação de avaliação...
Diogo Feio reafirmou a oposição do CDS ao "modelo absurdo" que o Governo PS quis impor, manifestou-se a favor da vinculação dos professores com mais de 10 anos de serviço e salientou ainda que os programas devem ser adaptados às realidades do mercado de trabalho.
A propósito da educação especial, Diogo Feio rejeitou os guetos nas escolas, falou da "liberdade de aprender e da liberdade de ensinar" e, a propósito da liberdade de escolha, afirmou que "hoje temos uma educação para quem tem mais posses e outra para quem tem menos..."
Bravo Nico afirmou que a crise económica e financeira não permitiu a resolução do problema da precariedade laboral entre os professores, reconhecendo que, de facto, o Governo não foi capaz de cumprir a promessa pública da Ministra da Educação de realizar o concurso em 2011.
Quanto aos mega-agrupamentos, o deputado socialista afirmou que "não há receitas" e que "deve haver bom senso". Disse ainda que não se podem fazer promessas devido ao "factor orçamental" e, partindo da ideia que "o pico de investimento nas escolas já passou" (o que viria ser negado pelo director da Secundária Camões que ainda está na fila de espera para obras urgentes), "agora, com os recursos que temos, será possível rentabilizar o sector educativo; estamos no caminho correcto..."
Miguel Tiago lembrou que o PC propõe a extinção da Parque Escolar, lembrou também a posição do partido contra os mega-agrupamentos e o encerramento cego de escolas ("vem nos estudos": uma unidade escolar com mais de 600 alunos "perde a capacidade pedagógica").
Quem está com o memorando da troika, que aponta directamente para cortes de despesas na educação, "não pode dizer que está contra o actual modelo de avaliação", realçou o deputado comunista, que referiu que se devem considerar como vagas a ocupar em concurso os horários de trabalho que se revelem necessidades permanentes das escolas.
Cecília Honório alertou para um "mistério político": como é que se pode falar de metas de escolarização, de ensino obrigatório de 12 anos, de luta pelo sucesso educativo num "cenário marcado pela dispensa de professores e outros trabalhadores do ensino"?
Outras notas em destaque nesta segunda intervenção da deputada do BE: são inaceitáveis os recursos da educação especial; o modelo actual de avaliação "é uma vergonha"; "5000 horários de professores já foram...", mas com o acordo da "troika" as coisas não ficam por aí!...; a Parque Escolar, "monstro que está assente sobre a escola pública", irá ao parlamento.
"Não se deve falar apenas de mega-agrupamentos mas também de mega encerramentos de escolas", sublinhou Francisco M. Lopes. O dirigente do PEV alertou para o fecho de escolas que tinham sido alvo de melhorias e destacou que "o processo de avaliação dos mega-agrupamentos é fundamental" para tomar decisões de futuro.
"A Constituição da República é a lei fundamental do país. Não há lei sem valores", recordou Madeira Lopes, que recuperou a temática da profunda precariedade que marca a relação laboral nas AECs. `
Houve ainda tempo para novas questões da assistência, para uma terceira ronda pelos deputados e para umas palavras finais de Mário Nogueira. Como comentaria a jornalista Patrícia Matos, foi sem dúvida um debate muito produtivo!/ JPO