Manuel Heitor no País das Maravilhas?!
13 de abril de 2021
O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) Manuel Heitor participou, no dia 6 de abril, num debate televisivo, onde demonstrou que não sabe o que precariedade e apresentou números que deturpam a realidade da Ciência em Portugal. A crer nesses números, não era, garantidamente, a Portugal, o país a que ministro se estava a referir.
Os números
Referindo-se ao investimento em Ciência e sustentando o aumento progressivo face ao passado, Manuel Heitor afirmou que há cinco anos (2015) Portugal investia 1,2% do PIB em Ciência, e que em 2019 (último dado disponível) investe 1,4% (2019). Omitiu, no entanto, que dez anos antes (2009), no tempo em que era Secretário de Estado do MCTES, investia-se 1,58% do PIB em Ciência. Conclusão: o investimento em Ciência decresceu nos últimos dez anos.
A mesma lógica foi aplicada em relação ao aumento do volume de financiamento dos projetos. É fácil escolher um ano, entre 2014 e 2017, para demonstrar um aumento em 2019. No entanto, comparando o investimento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em 2019, com o que se fazia em 2010, conclui-se que o aumento se aproxima dos 6,5%, muito longe dos 30% com que Manuel Heitor se regozija.
Dois exemplos que podem levar a concluir uma de duas coisas:
- o ministro desconhece a realidade, o que seria grave, pois quem governa área tão importante como esta não pode ignorar o que se passa;
- o ministro decidiu ser económico com a verdade − escolhendo o momento temporal mais próximo do presente onde o investimento foi mais baixo, para depois dizer que cresceu imenso −, procurando que a realidade parecesse o que não é.
Independentemente da conclusão, confirmam-se as dificuldades de Manuel Heitor em governar um setor de tão grande complexidade como aquele que está sob sua tutela.
A precariedade
Manuel Heitor parece não entender o significado de precariedade nem as profundas implicações na vida de quem assim trabalha. Ora, elucidando o ministro, entende-se por trabalho precário todo aquele que é realizado com vínculos laborais instáveis e de que são exemplos não só as bolsas ou os recibos verdes, mas também os contratos a prazo.
Quando confrontado com o fracasso do PREVPAP, que permitiria a integração em carreiras com o correspondente contrato permanente, isto é, com um contrato estável, Heitor responde, referindo-se a todos os tipos de contratações de investigadores e docentes, fugindo, como habitualmente, ao assunto. Mesmo que os números de contratações possam estar corretos de acordo com a formulação utilizada, há que esclarecer que o ministro está a falar maioritariamente de contratos a prazo, ou seja, contratos precários e está a considerar todo o tipo de contratação para docentes e investigadores, incluindo contratos que não são financiadas pela FCT e contratações que não se encontram ao abrigo das alterações legislativas que ocorreram durante a governação de Manuel Heitor, de que é exemplo o Programa de Estímulo ao Emprego Científico e o PREVPAP.
É positivo o facto de muitos investigadores terem, finalmente, acesso a contratos de trabalho, em vez de bolsas de investigação, mas, na realidade, continuam em situação precária. E muitos têm visto os contratos caducar. O número de contratações para a carreira, com contratos de trabalho por tempo indeterminado, é residual. O Programa de Estímulo ao Emprego Científico, grande bandeira do ministro, realiza contratações a prazo em 97% dos casos, e o PREVPAP, enquanto programa com que o governo se comprometeu para regularizar as contratações precárias do Estado, foi um logro para os docentes e investigadores do ensino superior.
Não é a primeira vez que o ministro, e o seu ministério, revela dificuldades para, de forma séria, dar resposta a problemas que há muito se arrastam. No âmbito do PREVPAP, por exemplo, não foram raras as vezes em que, embora sendo indiscutível a irregularidade de determinado vínculo precário, os representantes do MCTES, capturados pela lógica das instituições, inviabilizaram a sua regularização. Aliás, os representantes do MCTES promoveram critérios tão exigentes que se traduziram numa taxa de aprovação global de 13% num total de 3264 requerimentos, dando corpo à recusa do ministro em reconhecer a existência de um sistema científico baseado na precariedade. O ministro argumentará, certamente, que todos quereríamos mais, incluindo o próprio, mas parece esquecer-se de que ele não é um investigador (argumento ao qual gosta de recorrer nestas situações), mas o responsável máximo do sector, a pessoa a quem se deve imputar a quase inexistente integração de trabalhadores científicos em carreiras verdadeiramente estáveis.
A negociação (?!)
Num outro plano, demonstrando que há compromissos ministeriais que não são honrados, a Fenprof lembra que, na reunião de 23 de novembro de 2020, o ministro comprometeu-se a apresentar projetos (que supostamente dariam resposta a problemas que se arrastam há anos) para negociação e que a mesma estaria concluída antes do final do primeiro trimestre de 2021. Contudo, à entrada do segundo trimestre, tais projetos nem sequer foram apresentados!
Mais uma situação intolerável! A ciência, a tecnologia e o ensino superior devem ser governados de forma séria, com os compromissos a serem respeitados e a realidade a ser reconhecida, sob pena de os problemas não serem resolvidos e se agravarem.
No sentido de exigir negociação e soluções para os problemas, a Fenprof irá convergir com a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), no próximo dia 16 de abril, e participar na concentração de investigadores e bolseiros que terá lugar junto ao MCTES (Estrada das Laranjeiras, em Lisboa), onde será entregue um abaixo-assinado exigindo a urgente prorrogação de todas as bolsas em curso ou que tenham terminado durante a vigência das medidas de contingência — direta ou indiretamente financiadas pela FCT ou por outras entidades.
Ler artigo: Protesto dos trabalhadores científicos (16/abr) — Inscrições e transporte
Abaixo-assinado: Pela prorrogação de todas as bolsas de investigação (ABIC)