Greve aos exames — Informação Jurídica elaborada pelo Dr Eduardo Allen

27 de junho de 2005

Às Escolas

Aos Professores

 

 

Comunicado do Sindicato dos Professores do Norte

 

Greve da FENPROF e da FNE

nos dias 20 a 23 de Junho de 2005

O Ministério da Educação enviou, pelo menos para algumas escolas, o parecer n.º 24/2005 com carácter de «parecer independente».

O Sindicato dos Professores do Norte (spn) envia às escolas e aos professores, o parecer independente do jurista Eduardo Allen. Este parecer vem corroborar os pareceres dos advogados dos sindicatos da FENPROF e da CGTP, bem como os de advogados independentes, especializados na área do trabalho, como o Dr.º Garcia Pereira, e que vão todos no sentido de considerar que não há lugar a serviços mínimos na área da educação em geral e dos exames em particular.

Os exames não são «necessidades sociais impreteríveis», como estabelece o art.º 598.º do Código de Trabalho, e tanto assim é que o próprio ME tem afirmado que «os exames que não se fizerem agora podem ser realizados noutra altura».

Os exames têm a mesma natureza, em relação ao direito à greve, que têm, por exemplo, as consultas médicas, as cirurgias, as viagens de avião ou de combóio, todas elas consideradas como funções fora dos serviços mínimos. Serviços mínimos, como estabelece a lei, são funerais, apagamento de incêndios, controle de aviões em situação de emergência, abastecimento de energia a hospitais, segurança das linhas férreas, segurança de câmaras frigorificas . isto é, serviços que a não se realizarem ponham em perigo a vida de pessoas, animais ou mesmo bens perecíveis. Os exames, sendo importantes para alunos, pais e professores, não são um caso de vida ou de morte. Não obrigam a serviços mínimos.

Os professores têm direito a fazer livremente greve. De tal acto não pode decorrer qualquer penalização. A greve marcada no Norte para Quarta-Feira, dia 22, é uma greve em tudo idêntica a muitas outras que se realizaram ao longo dos últimos 31 anos de democracia. Como já aconteceu noutras greves pode afectar exames. O actual Governo não tem poderes especiais para desrespeitar as leis em vigor. Pode alterá-las, mas essa é uma questão que nada tem a ver com esta greve.

PARECER

 

Informação Jurídica elaborada pelo Dr. Eduardo Allen (Jurista)

 

I - Da ilicitude da greve por inobservância da tramitação legalmente exigida

 

1.O Ministério do Trabalho defende que a greve é ilícita porque o pré aviso não foi efectuado com a antecedência de 10 dias úteis e por não conter a proposta dos serviços mínimos a prestar durante a greve, o que fará incorrer os docentes que aderirem à greve no regime de faltas injustificadas.

 

2.O pré aviso de 10 dias e, em consequência, o regime dos serviços mínimos a prestar, só pode ser exigido nos sectores ou actividades previstos nas alíneas do nº 2 do art. 598º do Código do Trabalho por força de previsão expressa do art. 595º, nº 2, do mesmo Código ( existe um projecto do Governo de alterar esta previsão legal passando a abarcar todos os sectores e actividades afectas à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, mas por enquanto é somente um projecto de alteração da lei e ainda não vigora portanto ).

 

3.Não estando previsto naquelas alíneas do nº 2 do art. 598º do Código do Trabalho o sector ou actividade do ensino, não era aplicável à greve que foi declarada o pré aviso de 10 dias úteis ( mas sim de 5 dias úteis, que foram cumpridos ) nem é legalmente susceptível de aplicação o regime de serviços mínimos.

 

4.O pré aviso de greve cumpriu por essa razão a tramitação legalmente exigida e não lhe é legalmente aplicável o regime dos serviços mínimos.

 

II - Da aplicação do regime de faltas injustificadas

 

5.Ainda que a greve fosse ilícita por inobservância da tramitação legalmente exigida ( e não o foi como visto atrás ) dessa situação, e do incumprimento dos serviços mínimos, só poderia decorrer a aplicação de faltas injustificadas sem quaisquer consequências do ponto de vista disciplinar, pois estas últimas só podem surgir se existir a requisição civil.

 

III - Dos serviços mínimos

 

6.Os serviços mínimos foram fixados por Despacho conjunto do Ministério do Trabalho e do Ministério da Educação de modo a poderem assegurar a realização dos exames nacionais do 9º e 12º ano.

 

7.Como atrás já foi visto, no sector do ensino não é possível legalmente fixar serviços mínimos, razão porque é ilegal aquele despacho.

 

8.Acresce que, nos termos do art. 599º, nº 4, do Código do Trabalho e 439º e seguintes do Regulamento do Código do Trabalho a fixação dos serviços mínimos nos serviços públicos só pode ser feita por uma comissão arbitral designada no âmbito do Conselho Económico e Social, nenhuma disposição legal existindo que permita que os serviços mínimos sejam fixados por aqueles Ministérios, antes excluindo o legislador aquela possibilidade.

 

9.O despacho conjunto justifica o facto de ser proferido por aqueles Ministérios com o facto de não estar ainda completa a lista de árbitros de onde poderia sair a comissão arbitral, mas tal não confere o poder ou competência a quaisquer outras entidades para o fazer e muito menos àquelas que o legislador expressamente excluiu.

 

10.O despacho conjunto que fixou os serviços mínimos é pois ilegal e foi proferido por entidades sem competência legal para o fazerem.

 

11.Ainda que aquele despacho conjunto fosse legal - e já vimos que não o é -, uma vez que os Sindicatos, após terem sido notificados para o efeito, não designaram quais os docentes que ficavam afectos àqueles serviços mínimos, não o fizeram, para que pudesse verificar - se o incumprimento dos serviços mínimos tornava - se necessário que o Ministério da Educação tivesse estabelecido, até ao início da greve, quais os docentes que estavam afectos à realização dos serviços mínimos, notificando os docentes designados desse facto, e tal não foi feito.

 

12.Não existem pois serviços mínimos estabelecidos.

 

13.Mas, ainda que existissem, as únicas consequências de incumprimento dos serviços mínimos declarados seriam somente a aplicação do regime de faltas injustificadas sem quaisquer consequências disciplinares, e a possibilidade de o Governo proceder à requisição civil.

 

14.A requisição civil permitiria fazer renascer a subordinação dos docentes e a sua sujeição ao poder disciplinar e era a esse nível exclusivamente que poderia equacionar - se a eventual conflitualidade entre o direito à greve e o direito ao ensino que tem sido agitado como bandeira pelo Ministério da Educação.

 

15.A requisição civil depende de aprovação pelo Conselho de Ministros e é declarada por Portaria dos Ministérios interessados - art. 4º do Dec. - Lei 637/74.

 

16.O art. 3º do Dec. - Lei 637/74 define no entanto de forma taxativa os sectores e actividades que podem ser objecto de requisição civil, e neles não está incluído o ensino, não sendo por isso legalmente admissível a requisição civil no caso desta greve.

 

 

 

IV - Do Despacho da Ministra da Educação a convocar todos os professores para comparecerem nas Escolas.

 

 

17.Nos termos do art. 597º do Código do Trabalho, a greve ( convocada com a tramitação legalmente exigida ou não ), suspende as relações jurídicas emergentes do vínculo contratual existente entre os docentes e o Estado e desvincula - os dos deveres de subordinação e assiduidade, sem qualquer prejuízo da contagem do tempo de serviço enquanto aqueles deveres se mostram suspensos.

 

18.Face à lei, não é assim devida obediência àquele despacho, nem a desobediência ao mesmo poderá fazer incorrer quem quer que seja em infracção disciplinar, contravencional ou criminal.

 

19.E o despacho em causa não pode obviamente confundir - se como um despacho de fixação de serviços mínimos pois não designa os docentes concretos afectos ao seu cumprimento mas antes generaliza a convocatória a todos os docentes.

 

 

Lisboa, 20 de Junho de 2005.

 

Eduardo Allen

Advogado

R. Andrade Corvo, 11. 2.º

1050-007 LISBOA

 

 

 

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