Educação pré-escolar pública — Um direito de todas as crianças!

25 de fevereiro de 2019

Entrevista da coordenadora da Educação pré-escolar da Fenprof, Júlia Vale, ao «JF»: Que rede de jardins de infância?

“A criação de uma rede única de educação pré-escolar desvaloriza o papel do Estado enquanto promotor direto e introduz alguma fragilidade no direito de acesso das crianças à educação pré-escolar, aproximando-se da ideologia neoliberal da educação, de quase mercado educacional.” (Emília Vilarinho, 2011)

 

JF – A FENPROF está a fazer um levantamento da situação na educação pré-escolar. O que foi possível perceber?

Júlia Vale Muito recentemente, a FENPROF decidiu proceder a um levantamento de dados sobre a Educação Pré-Escolar junto dos agrupamentos de escolas.  Os resultados obtidos infelizmente não surpreenderam. No fundo, o que se procurou foi confirmar aquilo que já eram considerados como dados oficiais, mas contextualizando-os, tendo em conta algumas especificidades, como o número de crianças, a localização dos equipamentos e a oferta disponibilizada pela rede, entre a pública, a solidária e a privada, devendo tudo isto ser associado ao ainda insuficiente investimento do Estado neste setor de educação, não apenas no que respeita ao bolo do financiamento, mas, e muito, à forma como ele é concretizado.

JF – Como pode caracterizar-se a nossa rede de jardins de infância?

JV É sabido que a Constituição da República Portuguesa afirma que incumbe ao Estado criar um “sistema público e desenvolver o sistema geral da educação pré-escolar.” Mas a verdade é que, com a publicação da Lei Quadro da Educação Pré-escolar (Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro), o Estado, entendeu mobilizar outras entidades da sociedade civil para procurar, dessa forma, garantir a tão anunciada Expansão da Rede de Educação Pré-escolar e, posteriormente, a necessidade de regulamentar a referida lei deu origem à publicação do Decreto-Lei n.º 147/97, de 11 de junho. Surgiu, assim, um novo conceito de rede para este setor de educação, o de Rede Nacional de Educação Pré-escolar, que, para além dos estabelecimentos públicos, passou a considerar também os estabelecimentos particulares de solidariedade social, os estabelecimentos privados e outros sem fins lucrativos. Para estes, ficavam previstas, ao abrigo deste Decreto-Lei, linhas de crédito bonificado destinadas ao parque escolar.

JF – Então continua tudo a estar dependente do financiamento da rede…

JVSignifica isto que, segundo as prioridades de financiamento explanadas no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 147/97, que o Estado criou medidas de favorecimento às IPSS e outros, que se transformaram num “mercado apetecível”. Esta realidade torna-se tão mais evidente lendo o Relatório Nacional de Educação de 2016, onde é afirmado que a rede privada/solidária nesta 1.ª etapa da educação surge com 69% dos jardins-de-infância.

JF – Mas trata-se de uma situação que favorece grandes assimetrias…

JV Sim! Podemos constatar as assimetrias na expansão deste setor de educação. Situação esta tão mais incompreensível e preocupante, quando se verifica que, nas zonas de maior densidade populacional, urbanas de média e grande dimensão, é ainda muito insuficiente a oferta de rede pública, existindo muitas crianças a aguardar vaga para a poderem frequentar.

JF – As opções políticas não têm sido as mais corretas?

JV É incompreensível que o Estado continue a desbaratar dinheiro em soluções que retiram às crianças a possibilidade de ingressarem em jardins de infância públicos, numa altura em que já foi assumida e publicada a decisão relativa à universalidade da frequência para as crianças de 3 e 4 anos. Acresce a isto que o Estado está a desperdiçar os seus recursos humanos e físicos enquanto financia IPSS's ou privadas. Esta questão torna-se bem mais evidente em regiões do interior, com salas devolutas de jardins de infância públicos e educadoras/es de infância sem titularidade de grupo, quando a escassos metros, ou poucos quilómetros, se encontram IPSS ou privadas em pleno funcionamento, financiadas pelo Estado.

JF – Que fazer, então?

JV Esta deve ser uma preocupação da sociedade e é uma avaliação que deve ser feita por todos aqueles que têm responsabilidades a nível da resposta pública de Educação. E é nesse sentido que a FENPROF, através dos seus sindicatos, está a solicitar a nível nacional reuniões com todas as direções dos agrupamentos de escolas, algumas tendo já sido realizadas.

JF – Qual é o objetivo que se pretende atingir com essas reuniões?

JV O objetivo é avaliar as reais necessidades a nível local no que respeita à Educação Pré-Escolar e averiguar da oferta disponível a nível de recursos humanos e equipamentos, de forma a procurar garantir que, na implementação da universalidade para as crianças de 3 e 4 anos, a oferta pública seja a primeira prioridade do Estado.

JF – E as câmaras municipais não têm um papel, também, a cumprir na regularização da situação?

JV Claro! Para além das reuniões com as direções de agrupamentos, estão a ser solicitadas, também, reuniões a todas as Câmaras Municipais, por se considerar que estas são fundamentais no processo de expansão da rede pública. Foi também pedida reunião ao Ministério da Educação, para discutir estas matérias, que se aguarda seja agendada.

CONTINUAREMOS A PUGNAR POR UMA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR PÚBLICA,

DE QUALIDADE, DEMOCRÁTICA E PARA TODOS!

 

 

 

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