Carta entregue ao Primeiro Ministro sobre a carreira docente (2005)
11 de julho de 2005
Senhor Primeiro-Ministro,
A Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) e a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) manifestam a V. Exª a profunda revolta dos trabalhadores que representam em relação ao conjunto de medidas que, em vagas sucessivas, o Governo a que V. Exª preside tem vindo a tomar, penalizando aqueles trabalhadores em particular e os trabalhadores da Administração Pública em geral.
As medidas divulgadas por V. Exª em 25 de Maio passado e outras que foram objecto de decisão no Conselho de Ministros de 2 de Junho, não só comprometem o desenvolvimento do país, como se abatem de uma forma injusta sobre os trabalhadores da Administração Pública, transformando-os em principais alvos de medidas que, tendo em vista a superação da crise orçamental que o país vive, não reconhecem o papel essencial destes trabalhadores nas necessárias tarefas de modernização e racionalização da administração pública, e na urgente acção que vise o aumento das qualificações dos portugueses.
O congelamento das progressões e o afunilamento administrativo das carreiras, a alteração inopinada das regras de aposentação, constituindo medidas decididas por este Governo, vêm acrescentar-se a medidas anteriores sobre os mesmos trabalhadores que durante dois anos seguidos se traduziram em congelamento salarial, a que acresceu o aumento do número de situações de precariedade de emprego.
A situação criada é tanto mais grave quanto é certo que este conjunto de medidas, anunciadas no Parlamento e na Comunicação Social, não mereceram qualquer tipo de negociação prévia com a organizações sindicais, o que é inultrapassável à luz da legislação vigente por, em várias circunstâncias, colidirem com direitos constantes dos estatutos das carreiras dos profissionais envolvidos.
Esta atitude do Governo constitui um retrocesso inaceitável num processo de participação democrática das organizações sindicais na definição das políticas nacionais.
A FENPROF e a FNE consideram urgente que o Governo altere radicalmente esta atitude de apresentação aos trabalhadores de decisões como factos consumados, transformando processos negociais posteriores em meros rituais que não sirvam para mais nada que não seja a justificação pelo Governo de bondade das medidas já decididas: esse não seria um processo sério, nem representaria o respeito que é devido a um Parceiro de negociação.
É fundamental o reconhecimento pelo Governo de especificidade da carreira docente no quadro das carreiras da administração pública: não é comparável o nível de atenção, de tensão e de disponibilidade exigido a um docente perante os seus grupos de alunos com o que é exigido a outros trabalhadores noutras funções. Daí decorre o mais rápido desgaste, o stress e a angústia dos professores que justificaram medidas especiais constantes do respectivo estatuto de carreira. Não se trata de privilégios injustificados, antes da consideração daqueles factores como constrangedores da qualidade de vida pessoal e profissional dos docentes. Assim, os regimes de aposentação específicos destes trabalhadores, bem como a natureza não automática da sua progressão em carreira, devem ser claramente assumidos pelo Governo, como factor da respectiva mobilização, consideração e dignificação.
Aos trabalhadores não docentes das escolas deve ser também reconhecido um papel especial, a considerar no seu regime jurídico, o qual exige estabilidade na relação de emprego e reconhecimento de responsabilidades acrescidas no processo educativo que decorre dentro de cada escola.
É neste quadro, de defesa do ECD e dos profissionais da educação, que a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) e a FNE (Federação Nacional dos Sindicatos da Educação) se dirigem ao Senhor Primeiro-Ministro no sentido de reivindicar:
1. A declaração pública do reconhecimento de que a carreira dos educadores e dos professores dos ensinos básico e secundário não é uma carreira de progressão automática
2. A garantia de não bloqueamento das carreiras docentes, bem como a contagem para todos efeitos do tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2006.
3. A não imposição de qualquer agravamento às condições de aposentação voluntária dos professores e educadores, sendo assim reconhecido o elevado desgaste físico e psicológico provocado pelo exercício continuado da docência.
4. A garantia de que quaisquer alterações ao ECD serão devidamente negociadas com as organizações sindicais docentes. A designação "terceira alteração" ao ECD aprovada pelo Conselho de Ministros, em 2 de Junho, é a primeira que um Governo concretiza sem que tivesse decorrido qualquer processo negocial. Estamos, assim, perante um precedente inaceitável, que para além de consubstanciar uma atitude anti-democrática de imposição, constitui uma situação ilegal de contornos anti-constitucionais.
Estas quatro reivindicações da FNE e da FENPROF são fundamentais e, a serem aceites, contribuirão seguramente para que o clima de estabilidade regresse às escolas e aos professores num momento tão importante como o final do ano lectivo.
Estamos certos que o Governo e o Senhor Primeiro-Ministro, em particular, terão em conta a necessidade de manter mobilizados e entusiasmados os professores e educadores portugueses neste final de ano e reconhecerão que a grave ofensiva contra relevantes aspectos da sua carreira e do seu estatuto profissional cria nos docentes situações de angustia e revolta que não são propícias à já referida e desejada estabilidade.
Com os mais respeitosos cumprimentos.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
O Secretariado Executivo da FNE O Secretariado Nacional da FENPROF