Carta ao Provedor de Justiça
Sindicato dos Professores do Norte / FENPROF |
Ensino SuperiorCarta ao Provedor de Justiça
Sua Referência: Exmº Senhor Nossa Referência: FP-082/2002 Rua do Pau da Bandeira, nº 7 e 9 Data: 04/06/2002 1249-088 LISBOA
Assunto: Inconstitucionalidade do uso da figura dos Contratos Administrativos de Provimento para satisfazer necessidades permanentes no Ensino Superior Público e inconstitucionalidade por omissão legislativa de regulamentação do artº 23º e seguintes do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo. Senhor Provedor, A Federação Nacional dos Professores, FENPROF, vem solicitar a intervenção de V. Exa. de modo a que se ponha cobro à clara violação da Constituição, nomeadamente do seu art. 53º. Este artigo garante aos trabalhadores a segurança no emprego. Para além de expressamente proibir os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, esta norma também afasta a utilização de vínculos laborais precários, defendendo a estabilidade de emprego. No que respeita às carreiras docentes do ensino superior, tal comando constitucional não é tomado em conta. Nestas carreiras, integradas na Função Publica, é imposto por Lei que o exercício de funções de interesse público que visam a satisfação de necessidades permanentes dos serviços sejam asseguradas através da celebração de contratos administrativos de provimento. É o que sucede com os docentes que se encontram nas categorias de assistente e de assistente estagiário, no ensino universitário, bem como na categoria de assistente, no ensino politécnico. Tal ocorre também com os docentes na categoria de professor auxiliar que já foram assistentes e com muitos casos de docentes equiparados do Politécnico que, tendo sido assistentes, tiveram que sair da carreira por ausência de concursos para lugares do quadro. Todos estes docentes são admitidos para o exercício de funções através de concurso público, desempenhando-as durante vários anos com vínculos precários, ao fim dos quais podem vir a ser colocados na situação de desemprego, sem quaisquer direitos. Devido a esta situação, verifica-se que a percentagem de docentes com contratos administrativos de provimento oscila entre os 70% e os 80%, dependendo das instituições concretas. Por exemplo, na Universidade de Lisboa, os docentes com contratos administrativos de provimento constituem 81% do total, enquanto que no Instituto Politécnico do Porto são 76% [dados obtidos das listagens de docentes publicadas pela Direcção Geral do Ensino Superior, com data de Dezembro de 2000]. No ensino universitário público existem vários exemplos de docentes que, tendo exercido sucessivamente funções como assistente estagiário, assistente (após a obtenção do mestrado) e professor auxiliar (depois do doutoramento), durante um período total que chega a ultrapassar os 20 anos, foram despedidos, sem quaisquer subsídios ou direito de integração noutras carreiras, ao não verem renovados os seus contratos. No ensino politécnico público a situação mais grave é a dos docentes impropriamente equiparados que, encontrando-se em regime de tempo integral, com ou sem dedicação exclusiva, não têm possibilidade de aceder a um lugar do quadro, ficando na contingência da renovação ou não do seu contrato de dois em dois anos. Também no politécnico existe uma norma que permite o despedimento, antes do prazo do contrato, de um docente [alínea d) do art.º 14º do D.-L. n.º 185/81, de 1 de Julho], situação que se encontra em contradição com a doutrina do D.-L. nº 427/89, de 7 de Dezembro, designadamente quanto ao seu artº 30º. A garantia da segurança no emprego estabelecida no art.º 53º da Constituição não se restringe apenas à proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Abarca também a estabilidade no emprego e é aplicável à actividade privada e à administração pública. Assim, e no âmbito da função pública, o recurso a formas de contratação precárias será sempre uma excepção, que só é admissível em situações bem determinadas e que se resumem ao exercício de funções ou tarefas que não podem ser consideradas como necessidades permanentes dos serviços. Estas necessidades, como resulta do citado preceito constitucional, têm de ser asseguradas por funcionários integrados nos quadros do Estado. Atendendo às percentagens de docentes com contratos administrativos de provimento, atrás apresentadas, é inquestionável que aqueles se encontram a satisfazer necessidades permanentes de serviço. Quanto ao Ensino Superior Particular e Cooperativo (ESPC) é nosso entender que existe uma inconstitucionalidade por omissão, respeitante à falta da regulamentação prevista no artº 24º, nº1, do Estatuto do ESPC, publicado em anexo ao Decreto-Lei nº 16/94, de 22 de Janeiro. A falta de regulamentação referida tem provocado graves danos aos docentes que leccionam neste sub-sistema de ensino superior, nomeadamente no respeitante às categorias e carreira e à estabilidade de emprego. Certamente que esta omissão se repercute na qualidade do ensino ministrado, quanto mais não seja porque estes docentes se vêem obrigados a encontrar formas alternativas de trabalho (acumulações, etc.) que possibilitem um rendimento que permita a sua subsistência e que confira um mínimo de estabilidade. É ainda de referir que, com o fundamento da falta da referida regulamentação, a Associação representativa das diversas entidades patronais (APESP), se recusa a encetar negociações colectivas com vista à celebração de um contrato colectivo para o sector. Tendo em conta a manifesta inconstitucionalidade de que, em nossa opinião, enfermam os diplomas que regulam as carreiras docentes do ensino superior, e a falta de regulamentação do estatuto do ESPC, solicitamos uma audiência com V. Exa., onde será aprofundada a questão aqui colocada e serão apresentadas outras questões relativas a estes docentes, com vista a uma intervenção de V. Exa. que ajude a repor a legalidade. Na expectativa de uma resposta, Com os melhores cumprimentos, O Secretariado Nacional João Cunha Serra Coordenador do Departamento do Ensino Superior da FENPROF |