Carlos do Carmo (1939-2021)

1 de janeiro de 2021

Um Homem na Cidade

Morreu Carlos do Carmo, vítima de um aneurisma. Tinha 81 anos.

Foto: Tiago Petinga (editada)

Iniciou a carreira como intérprete em 1963, a convite do amigo Mário Simões, a quem faltava um tema para completar um EP. Carlos do Carmo cantou o único fado que sabia: “Loucura”. Em 1967, era distinguido com o prémio Melhor Intérprete e, em 1970, o Melhor Disco do Ano ("O Fado de Carlos do Carmo")Em 1976, foi o único intérprete do Festival RTP da Canção e representou Portugal no Festival da Eurovisão (Holanda), com a canção "Uma Flor de Verde Pinho". Em 1977, sai "Um Homem na Cidade", marco maior da história da música portuguesa!

Manteve, desde sempre, uma relação muito próxima com as novas gerações do fado, e outros géneros musicais, apresentando-se, por vezes, em atuações conjuntas, como é o exemplo de Camané, Mariza, Ana Moura, Cristina Branco, Marco Rodrigues, Mafalda Arnault, Ricardo Ribeiro, Raquel Tavares, Carminho, sem esquecer os clássicos: Sérgio Godinho, Rui Veloso, Brigada Victor Jara, Dany Silva, Ala dos Namorados ou Pedro Abrunhosa. “Nunca me senti distante das gerações que vão chegando. Eu comecei a cantar para a geração dos meus pais, depois trouxe a minha comigo” e agora esta “que é a dos meus filhos”.

Despediu-se dos palcos em 2019, com dois concertos memoráveis nos coliseus (Porto e Lisboa), mas não dos estúdios. Carlos do Carmo preparava-se para editar um novo álbum – «E Ainda...» , com Herberto Hélder, Sophia e Saramago lá dentro.


Um Homem no País

De fortes convicções, grande intérprete e defensor do fado, amante da sua cidade, cidadão empenhado e comprometido com as causas do progresso e da justiça social, Carlos do Carmo deixa um legado imenso, na vida, na música e na afirmação do fado como canção universal.

Revolucionário do fado, Carlos do Carmo negou o fadário ou a elegia marialva, derrubou o estigma do fado fascista e transportou-o para o Portugal livre e democrático, arrastando consigo todo um conjunto de poetas e músicos que fizeram renascer o gosto pelo fado novo, do qual Carlos do Carmo será sempre o expoente máximo. Dizedor de poemas cantados, inovou linhas melódicas, introduziu novos instrumentos, deu voz aos poetas mais notáveis, deu vida a novas palavras – de denúncia, esperança e liberdade –, reinventando o fado, agora com caráter emancipatório. José Carlos Ary dos Santos, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, José Nisa, António Vitorino de Almeida, José Luís Tinoco e Joaquim Pessoa foram alguns dos nomes que, com ele, participaram nesta reinvenção.

Segundo a «Enciclopédia da Música Portuguesa no Século XX», as transformações que Carlos do Carmo operou no fado “foram influenciadas pelos seus gostos musicais que incluíram referências externas”. E dá exemplos: a Bossa Nova e cantores como Frank Sinatra, Jacques Brel ou Elis Regina. No sítio do Museu do Fado, destaca-se a sabedoria de Carlos do Carmo em transmitir “sentimentos e saberes que são nossos, mas de muitos outros também”, e que, com “sensibilidade, talento e arte levou pedaços de Lisboa ao Mundo, fez o fado acontecer fora de Portugal”, recriando “um património vivo”.


Um Homem no Mundo

Foto: Tiago Petinga (editada)

Dono de uma voz muito própria e inconfundível e de um apaixonado e extremo rigor profissional, Carlos do Carmo foi, ao longo dos anos, granjeando popularidade, respeito e prestígio, tanto nacional, como internacional. Levou a língua portuguesa aos quatro cantos do mundo e distendeu fados e outras canções nas mais categorizadas salas de espetáculo, tendo recebido o reconhecimento das mais diversas e conceituadas entidades.

Ao longo dos 57 anos de atividade artística, foram muitos os lugares onde o Embaixador do Fado — Património Imaterial da Humanidade — marcou presença: Olympia e Auditório Nacional de Paris (Paris), Ópera de Frankfurt e Ópera de Wiesbaden (Alemanha), Royal Albert Hall (Londres), Canecão, no Rio de Janeiro e Memorial da América Latina em São Paulo (Brasil), Place des Arts em Montréal (Canadá), Teatro da Rainha em Haia (Países Baixos), Tivoli de Copenhaga (Dinamarca), Savoy (Helsínquia), Teatro de São Petersburgo (Rússia), para além de ter atuado em todos os países da Europa. Todos? “Não, penso que faltou a Albânia”.

O reconhecimento veio das mais diversas formas. Foi agraciado com o Grau de Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (1997), com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito (2016) e com a Medalha de Mérito cultural (2019). Em 2015, recebeu a mais elevada distinção da capital francesa, a Grande Médaille de Vermeil. Ganhou um Grammy Latino de Carreira (2014), a que juntou ao Prémio Personalidade do Ano/Martha de la Cal (2014), ao prémio Goya (2008), à medalha de Mérito Municipal (2004 e 2014), ao prémio José Afonso (2003), ao Globo de Ouro (1998), ao prémio Prestígio (1991) e ao título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro (1987). Em 2019, recebeu a Chave da Cidade de Lisboa.


O SPN expressa o seu pesar pelo falecimento de Carlos do Carmo e endereça à sua família as suas sentidas condolências.

E um profundo agradecimento pela sua dedicação às causas da Liberdade e da Democracia. 

Biografia: Museu do Fado 


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