Abrir as escolas

10 de setembro de 2021

"Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe, no Notícias Magazine (Edição de 8 de setembro de 2021)

 

Vou ser sempre pelos professores. E vou ser sempre pelos professores que levam à dúvida e instigam à reflexão.

É preciso ver se ainda vamos a tempo de agarrar o futuro destes alunos, garantir que a deriva não tenha destruído suas vontades de ser alguém, predados que estão por tanta virtualidade e vício lúdico. Abrir as escolas é abrir o futuro, o regresso a essa construção elementar que ensina, educa, estrutura, faz gente.

Alguém protestava dizendo que o papel das escolas é instruir e o das famílias é educar. Por acaso o Governo tem um Ministério da Instrução, ou é mesmo da Educação que tratamos quando tratamos de escolas? A euforia pela cidadania do ódio, legitimada pelo poder absoluto dos pais sobre as ideias das crianças, quer que a escola seja como um canal de notícias ao jeito do papagaio sem emoções. A escola, contudo, é a extensão de todas as dimensões e é a fábrica humana por excelência, contra toda a ignorância que pode haver numa família, contra todas as precariedades, a favor da auto-estima dos alunos e da sua pura sobrevivência numa sociedade de diferentes e opositores.

Os professores, ainda que de disciplinas precisas e perfeitamente programadas, serão inevitavelmente exemplos de maturação emocional que indicarão aos estudantes caminhos para robustecerem e ascenderem acima das suas e das falhas das famílias. A escola não pode senão ser a educação fundamental porque, se deixados apenas ao arbítrio das famílias, os alunos jamais desenvolveriam competências sociais elementares para se relacionarem afectiva e profissionalmente. É, pois, muito perigosa a ideia de que às famílias competem temas específicos. Porque o que lhes compete é a intimidade das crenças e das convicções, mas a informação e o debate sobre qualquer assunto é apanágio não negociável da escola e isso vai, sim, iluminar os alunos acerca do que pode ser o Bem e do que pode ser o Mal. Com tal coisa, deverão conhecer e afastar preconceitos e antigas modas que não valorizam o humano e optam pela agressão contínua à liberdade e identidade dos outros.

Regressam às aulas, pois, aqueles que se humanizam. Aqueles que se completam, para que não se reduzam à avidez mimada das famílias, por mais que o mimo seja uma glória que todos agradecemos. Sem o outro lado das coisas, o teste prático das condutas entre amigos e desconhecidos, entre os empáticos e os antipáticos às nossas pessoas, não teríamos como aprender a sensatez, a moderação essencial para que frequentemos o Mundo como propensos à justiça e ao conhecimento e não ao egoísmo e à ignorância.

Vou ser sempre pelos professores. E vou ser sempre pelos professores que levam à dúvida e instigam à reflexão. Pelos professores saberemos se vamos a tempo de agarrar o futuro desta geração que está com dois anos de suspensão. Pelos professores e por todos quantos fazem uma escola devemos encetar o esforço para que ninguém se perca nem no refúgio doce de ser criança nem na raiva infértil de odiar o Mundo.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)

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