ESI — Dos atropelos laborais à implosão do ministério
07 de agosto de 2025
O Departamento do Ensino Superior e Investigação do Sindicato dos Professores do Norte (SPN/DESI) organizou um plenário de docentes e investigadores (29/jul), onde registou a persistência de práticas de gestão por parte de algumas Instituições do ensino superior (IES) que comprometem as relações contratuais e consequentemente, a qualidade do ensino. Decididamente, no ensino superior e investigação (ESI), persistem os atropelos aos direitos laborais nas universidades e nos politécnicos, pelo que se torna imperativa a organização na ação coletiva dos docentes deste setor, pela dignificação da carreira e melhores condições de trabalho!
Contratos temporários para cumprimento de necessidades permanentes
Uso abusivo da figura legal de professores “convidados”, contratados a termo por 5 meses para dar resposta a necessidades semestrais, ou entre 8 e 10 meses no caso de necessidades anuais. A docência, mesmo em regime de contratação a tempo parcial, exige um compromisso anual com a escola, com os estudantes, o conhecimento e, sobretudo, com a construção e concretização de um projeto de ensino.
- Arbitrariedade e desvalorização da formação doutoral — Num contexto de precarização, é frequente a contratação de docentes doutorados, como professores assistentes, particularmente em instituições do Ensino Politécnico, cujos presidentes reivindicam, com uma mão, a passagem dos institutos politécnicos a universidades e, com a outra mão, assinam contratos de assistentes convidados a docentes doutorados, num ato de profunda hipocrisia e de desvalorização da qualificação deste subsistema de ensino.
- Desrespeito pela proporcionalidade da carga letiva é ilegal e inaceitável — Assiste-se a uma crescente desregulação da contabilização das horas letivas em contratos a termo. A proporcionalidade imposta pelos estatutos de carreira docente é constantemente desrespeitada, observando-se casos de contratos a 50% aos quais são atribuídas o mesmo número de horas de aulas do correspondente a tempo integral. O SPN/DESI reitera que no universitário a carga letiva situa-se entre as 6 e as 9 horas e no politécnico entre as 8 e as 12 horas. O não cumprimento destes limites e desta proporcionalidade nos contratos a tempo parcial é uma ilegalidade que deve ser corrigida. Quer a Secretaria-geral da Educação e Ciência (SGEC), quer a Provedoria de Justiça já se pronunciaram no sentido de que, nos contratos a tempo parcial, deve ser respeitada a proporcionalidade face ao estabelecido nos estatutos de carreira.
- Ilegalidades institucionalizadas: o desrespeito das IES por direitos laborais consagrados — Mantêm-se práticas administrativas que configuram autênticas “ilegalidades institucionalizadas”, como o não pagamento de subsídio de alimentação; o não pagamento de subsídio noturno; os atropelos no gozo de férias durante a vigência dos contratos; o não pagamento de compensação por caducidade do contrato de trabalho.
Progressões Gestionárias
Quatro meses após a publicação dos despachos 3830/2025 e 3894/2025, seria espectável que as IES já tivessem apresentado um plano de pagamento das progressões devidas — em função dos pontos acumulados até dezembro de 2024 e nos termos dos regulamentos de cada IES —, para depois se passar a eventuais negociações das regras específicas e dos tempos propostos.
O SPN a recolher informações sobre o que se passa em cada instituição, apelando a que enviem ao SPN/DESI informações relacionadas e, em face da não concretização de progressões, sugere-se também aos professores e investigadores que questionem diretamente as IES onde trabalham.
O novo ECIC (Estatuto da Carreira de investigação Científica) consagra a progressão obrigatória em resultado de 3 avaliações consecutivas com menção máxima, 8 anos consecutivos com avaliação positiva (ou 9 anos, no caso de ciclos de avaliação trienais). Esta regra aplica-se desde já às carreiras dos docentes do ensino superior, por força das normas transitórias do ECIC que dispõem que, até à revisão dos Estatutos de Carreira Docente, vigora o Estatuto da Carreira de Investigação Científica nas matérias equivalentes, não podendo resultar qualquer prejuízo para as referidas carreiras do pessoal docente.
Não prorrogação dos contratos ao abrigo DL 57 ao arrepio da lei
O novo ECIC e o Regime Comum das Carreiras Próprias de Investigação Científica em Regime de Direito Privado (RCPIC), Lei n.º 55/2025, de 28 de maio, prevê a prorrogação do contratos (DL57), ao abrigo do direito público ou privado que terminem em 2025. As instituições devem manter esses contratos em vigor até ao final do processo de abertura de concursos para a carreira. O Anexo III que regula este regime transitório tem dado oportunidade a que as instituições não abram os respetivos concursos, carecendo de regulamentação específica.
O SPN/DESI continua a exigir soluções para a integração na carreira de milhares de investigadores doutorados que, há vários anos, desenvolvem atividade em condições precárias em instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e que ficaram sem resposta capaz, no âmbito do novo ECIC. Muitos destes investigadores encontram-se já no desemprego ou na iminência do desemprego, estando a ser chamados pelo IEFP para formações que desvalorizam as suas qualificações e o investimento do país no desenvolvimento científico.
Regime Jurídico para as Instituições de Ensino Superior (RJIES)
Nesta reunião plenária (29/jul) foram, igualmente, analisadas as propostas de alteração ao RJIES. O SPN, no âmbito da Fenprof, tomou posição pública sobre as propostas apresentadas e discutidas em reunião de dia 23 de julho.
Alguns assuntos discutidos evidenciam posições que do SPN e correspondem às necessidades sentidas nas IES entre as quais se destaca:
- A artificialidade do sistema binário (Universidade/Politécnico) reforça a necessidade da aplicação de um sistema unitário, integrado e diversificado de ensino superior.
- O ensino superior, a par da ciência, deve ser, em todas as suas dimensões, um bem público ao serviço da sociedade, orientado pelos princípios do interesse geral, da responsabilidade democrática, da colegialidade e da liberdade académica. Esses princípios não são compatíveis com modelos institucionais que afastam as IES do regime jurídico público e que colocam em causa os princípios da prossecução do interesse público e da relevância social da sua atividade. O SPN exige a extinção do regime fundacional e a reintegração das instituições que os adotaram no regime comum de direito público, garantindo a transparência da gestão, o reforço dos órgãos colegiais e a unidade do sistema público de ensino superior.
- Defesa da gestão democrática e o reforço de órgãos colegiais — a institucionalização de um Senado em todas as IES, tendo como funções essenciais assegurar a coesão da Universidade e a participação de todas as unidades orgânicas na sua gestão e dispondo de competências próprias, designadamente, quanto à aprovação de pareceres vinculativos relativamente a algumas matérias de decisão do Conselho Geral.
- Defesa da existência de um Conselho Geral com uma representação de docentes e investigadores de 50%, a eleição direta do reitor sem as limitações impostas na atual proposta; a eleição entre pares do diretor/presidente das escolas/faculdades e dos departamentos, como fonte da sua legitimidade no cargo e para assegurar uma gestão mais democrática, mais colegial e mais transparente.
- Dispensa de mais facilitismos na contratação a termo de docentes e investigadores para fazer face a necessidades permanentes. Esta opção provou, no caso das IPFSL, que conduz a um agravamento da precariedade laboral, promovendo vínculos frágeis, desvalorizando o trabalho dos docentes e investigadores e afastando as instituições da sua responsabilidade de garantir a estabilidade e qualificações do quadro docente e de investigação.
- A dignificação das carreiras exige que o novo RJIES defina requisitos mínimos a satisfazer pelos corpos docentes e investigadores e garantias efetivas de estabilidade laboral, e não apenas a enunciação de princípios ainda dependentes de regulamentação futura.
- O SPN relembra e reclama do governo, urgência na preparação e discussão do regime para o pessoal docente e de investigação do ensino superior privado, previsto no artigo 53.º do articulado desde 2007 e que urge aprovar.
- O SPN lembra, ainda, uma dúvida significativa quanto ao futuro papel dos especialistas nas IES, atendendo a que norma proposta para o novo número n.º 3 do artigo 48.º parece querer impedir a sua contratação para a carreira.
Reformulação do MECI
No que toca à reformulação do MECI, são eliminados a DGEEC (Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência), a SGEC (Secretaria-Geral de Educação e Ciência) e o IGeFE (Instituto de Gestão Financeira da Educação) e substituídos pela DGEPA (Direção-Geral de Estudos, Planeamento e Avaliação). São, ainda, eliminadas a DGES e a Agência Erasmus+ Educação e Formação, ambas substituídas pelo IES (Instituto para o Ensino Superior). São, ainda, eliminados a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), o CCCM (Centro Científico Cultural de Macau) e a ANI (Agência Nacional de Inovação) e substituídos pela AI2 (Agência para a Investigação e Inovação). A ACL (Academia de Ciências de Lisboa) mantém-se.
Falta conhecer as medidas concretas que decorrerão destas alterações, mas, para já, vislumbra-se a implosão do MECI (caminho que está a ser seguido em países como a Hungria, a Argentina ou os Estados Unidos da América), confirmando as piores expectativas da Fenprof relativamente às opções do governo. Este não é um mero fetiche economicista, mas um verdadeiro processo de liquidação do MECI, uma opção pela desresponsabilização do Estado central do serviço público de Educação e pela sua redução, nas áreas da Educação e Ciência, ao papel de mero regulador. Não é este papel menor que tem de incumbir ao ministério.
A força sindical é a única capaz de contrariar estas posições, por isso. O SPN/DESI promete combate a todas estas políticas, na certeza de que esta luta terá de ser travada no coletivo.